Memórias de Jaguariúna

Capítulo 12 - Um relógio de bolso de presente

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 17/08/2023Casamento de Moacir Ventura com Isabel no dia 29 de maio de 1.982, na Igreja Centenária de Santa Maria (Acervo Casa da Memória Padre Gomes)Mesmo com o passar do tempo, Moacir Ventura (in memoriam) lembrava com carinho do presente de aniversário que ganhou do pai Antonio, quando era jovem: um relógio de bolso. Esse gesto pode parecer um fato corriqueiro na atualidade, mas naquele tempo, as dificuldades eram tão grandes que o presente marcou a vida de Moacir.

Sempre que lembrava do pai, ele recordava da sua juventude com carinho e alegria. Ele cuidou do relógio por cerca de 50 anos. O pai de Moacir era ferroviário e trabalhava na Companhia Mogiana de Estradas de Ferro quando faleceu de infarto. Foi então, que a família decidiu sair de Guedes e se mudou para uma casa em frente à praça Mogi Mirim, no bairro Dom Bosco. A casa ainda continua de propriedade da família Ventura até os dias de hoje. 
 
   

  Quando eu fiz 20 anos morava em Guedes. O meu pai foi em Campinas e comprou um relógio de bolso pra mim. Vê quantos anos tem esse relógio e está funcionando. Dou corda nele duas vezes...É uma relíquia enquanto eu estiver vivo eu dou corda nele e cuido dele certinho. Um pouco, eu lembro do meu pai e lembro o presente que ele deu pra mim no meu aniversário. Isso aí é uma grande graça um pai dar um presente para um filho. Ele comprou em Campinas, na [rua] Sales de Oliveira e mandou eu escolher se eu queria de pulso ou queria de bolso. Pai, eu quero de bolso, então, leva esse aí. É Mondaine. Eu morei em Guedes (Jaguariúna) e Pedro Américo (Campinas). A vivência em Guedes era uma delícia. Os vizinhos eram ótimos e o bairro era movimentado. Ele [pai] trabalhava na soca (serviço de manutenção da linha férrea que envolvia desde limpeza do trecho ferroviário até troca de dormentes) na  Mogiana. Meu pai socava linha e depois tinha a ronda de madrugada até Cristiano Osório (Posto telegráfico do Km 46 da linha-tronco, inaugurado em 1939 e que pertencia à Jaguariúna. De acordo com relatório da Mogiana na época: o movimento de trens que vinha sendo prejudicado com a grande distância entre as estações de Guedes e Ressaca, atual bairro de Santo Antonio de Posse, foi atendido com a instalação em caráter provisório do posto de Cristiano Osório). Saia de casa umas 3 horas da manhã e ia com o lampião [para iluminar o trecho]. Eu aprendi com meu pai e minha mãe [Laudelina] o respeito e educação. Ele falava assim pra mim: Moacir dá respeito para ser respeitado. Hoje com a graça de Deus todo mundo me quer bem. O que a gente leva desse mundo são as boas amizades. Meu pai faleceu com 42 anos. Trabalhou o dia inteiro na soca lá em Guedes e quando foi dez horas da noite meu pai faleceu. Deu enfarte. Quando meu pai faleceu, eu e minha mãe compramos a casa aqui [na rua Joaquim Bueno, no ano de 1967]. Quando nós mudamos pra cá não tinha asfalto e não tinha nada. Essa praça [Mogi Mirim] também não tinha, era tudo brejo e a turma pegava rã, era tanque aí. Onde é a rua asfaltada, era tudo terra. Depois que eles pegaram e abriram rede de esgoto, que não tinha. 

 
Devoção
 
     Católico e devoto de São José e de Nossa Senhora Aparecida, Moacir frequentava as missas, trabalhava como voluntário nas festas e acompanhava as atividades religiosas.
 
 

  Olha eu recordo que nessa época eu alcancei uma graça muito grande. Quem que me levou para a igreja foi a Dona Florinda do seu Manoel Seixas. Depois ela pôs eu na Liga de São José e o padre Veríssimo (Cônego José Veríssimo Sibinelli) nomeou eu como fundador da Liga de São José. Com a graça de Deus eu sou fundador da Liga de São José. A Liga reza pelas vocações, pelos padres e pelos seminaristas. Eu lembro bem do padre Antonio [Joaquim Gomes] e dá saudades porque foi um padre muito bom. Eu casei em [19]82 e tenho a minha fotografia de casamento [celebrado pelo padre Gomes] Ele abençoava eu e com isso a gente vai pegando amor porque é isso daí que a gente leva desse mundo: as boas amizades. A gente tendo fé alcança as indulgências de Deus, agora quem não tiver fé não alcança as indulgências porque na época que nós estamos, a gente tem que ter muito carinho com o povo e saber lidar com o povo. Do jeito que tá hoje, um passa perto da gente não fala nada, outro passa não quer conhecer, então, eu dou bom dia e boa tarde, com todo respeito.

 
Construindo
 
  A união dos católicos de Jaguariúna vem contribuindo ao longo do tempo para a construção de igrejas nos bairros da cidade. Moacir utilizou a sua profissão de servente de pedreiro para contribuir, com as construções de algumas dessas igrejas católicas.  

 
  
   [Igreja] São Judas Tadeu [no bairro Mário Finotelli], pediram pra mim ir lá ajudar medir o terreno. Depois pediram agora Moacir você vem aqui para marcar a igreja, abrir o alicerce e ajudar fazer o baldrame da igreja São Judas. Na [igreja] São José fiz a mesma coisa, eu ia de carriola daqui cedo, eu ia a pé daqui no São José e a mesma coisa fiz no São Judas. Eu chegava lá trabalhava o dia inteiro e depois de tarde vinha embora. A [igreja]Nossa Senhora das Graças [bairro Cruzeiro do Sul] também eu comecei desde do começo e fui até o fim também. Eu ajudei no Santo Afonso [no Vargeão] e na igreja do Florianópolis [Nossa Senhora do Amparo]. Eu ajudava a fazer massa e dar tijolo porque eu era servente. Eu que ajudei fazer a grutinha de Nossa Senhora de Fátima [esquina das ruas Joaquim Bueno e José Alves Guedes, na Matriz Nova de Santa Maria]. O Padre Verissimo falou vamos fazer uma grutinha, daí fomos colocando pedra por pedra e fazendo certinho. Quando eu fiz a gruta ele [o padre] falou: Moacir, eu vou deixar uma chave só com você. Eu tenho a chave da gruta até hoje, da casinha [da santa]. Isso daí é uma graça porque a gente tem que fazer as coisas com amor e carinho. Se você não fazer as coisas com amor e carinho, não vai nada pra frente. Eu trabalhei até quando deu diabetes daí não podia trabalhar mais. 

 
Festas religiosas e Cavalaria
 
  Moacir era uma figura marcante nas festas religiosas de Jaguariúna. Ele ainda gostava de assistir as missas, participava das procissões e ajudava nas atividades da igreja. Também participou de algumas edições da Cavalaria Antoniana. Numa dessas participações, ele foi convidado para desfilar com um bode e o fato acabou divertindo o público.

 
 
  A primeira vez que começou a Cavalaria Antoniana eu acompanhei. O que aconteceu na Cavalaria foi que um outro rapaz [foi] me ajudar com o bode. Daí seu Anizio [Geraldo de Aguiar] pegou e falou: Moacir, o bode é manso. Pra mim o bode era brabo. Quando começou a Cavalaria que eu ia andando, ele punhava o chifre no vão da minha perna. Olha a Cavalaria inteirinha foi só risada e a turma chorava de alegria de ver eu desfilando. Eu estava segurando o bode, só que ele pegava enfiava o chifre no vão da minha perna e quase não deixava eu andar. E assim nós fomos. Eu tenho uma agendinha que eu marco todas as festas. A festa que sempre eu gostei foi de São Sebastião e depois da padroeira, Santa Maria, dia 12 de setembro. As festas mais antigas de [São Sebastião] tinham brinquedos de criança, no tempo do padre Antonio, tinha balança, que era ali na igreja velha (Igreja Centenária de Santa Maria). Na festa eu vendia garapa. Eu ajudava muito. Na festa de São Sebastião quando tinha o pau de sebo um subia nas costas do outro para tirar o dinheiro lá em cima. Dali a pouco caia pra baixo. Daí o pau de sebo não estava muito mais lambuzado daí foram lá e tiraram, mas todo ano tinha o pau de sebo. A procissão era a coisa mais linda. Dá saudade. Maio, mês de Maria, a gente fazia a procissão em volta da igreja, no tempo do padre Antonio [Joaquim] Gomes. Era bonito. A gente fazia a procissão do dia 1º até 31 de maio. Só não ia sábado e domingo, mas segunda-feira começava tudo de novo. Quando a gente recorda mata a saudade.
 

 
 
 

 
 
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