Memórias de Jaguariúna

Capítulo 11 - Contador, político e o trem no comando dos estudos

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 16/08/2023Momento em família de Laércio José Gothardo durante o batizado da filha Valéria, em frente da Igreja Centenária de Santa Maria: padre Antonio Joaquim Gomes e a mãe de Valéria, Silvia. Juntos com os padrinhos e avós Orestes Gothardo e Augusta Maria Chiavegato Gothardo, na década de 1960 (Acervo Casa da Memória Padre Gomes)Os antepassados de Laércio José Gothardo montaram a primeira padaria de Jaguariúna, quando ainda era distrito de Mogi Mirim e tinha o nome de Jaguary. Essa tradição teve início com o imigrante italiano Giovani, no ano de 1924, na rua Alfredo Engler e desde então, vem sendo transmitida de geração em geração. Em 1945, a padaria Gottardo foi transferida para um novo prédio, localizado na mesma rua, onde segue no mesmo local até os dias de hoje. A padaria vem sendo ao longo do tempo ponto de encontro para conversar diversos assuntos, inclusive, aqueles ligados à política.

Filho de Orestes Gothardo e Augusta Maria Chiavegato Gothardo, Laércio seguiu por outros caminhos. Trabalhou na Casa da Lavoura, atual Casa da Agricultura, teve escritório de Contabilidade e Despachante e se dedicou a política, sendo vereador por duas legislaturas e depois foi eleito prefeito.

A ligação de Laércio com a padaria ainda continua muito forte, pois apesar de não trabalhar diretamente nesse ramo tem o hábito de passar pelo estabelecimento com bastante frequência para conversar com os amigos e parentes. 


 
    Com o tempo, eles montaram a padaria em frente onde era o Centro Telefônico antigo e em frente ao Bar do Felício [na rua Alfredo Engler] ali eles ficaram bastante tempo. Entre a padaria e a casa do Benedito Bergamasco, tinha uma viela e tinha uma borboleta, você descia lá embaixo na antiga estação ferroviária (Estação de Jaguary inaugurada em 1875, hoje avenida marginal Laércio José Gothardo). Eles levavam pães e doces, saiam com umas bandejinhas pra vender. Quando o trem parava eles vendiam. Quando mudaram pra cá foi em 1945, onde está até hoje [na mesma rua]. Foi a primeira padaria de Jaguariúna. Tudo era feito na base da mão, quer dizer, tanto a masseira como o cilindro, era tudo virado a mão, não existia nada elétrico. E também o forno era à lenha, então, meu avô comprava uma quantidade de lenha enorme por isso que o terreno era grande ali. Eles começavam o serviço dez horas da noite. Trabalhavam a noite inteira pra chegar cinco horas, seis horas ter pão. Trabalhava lá dentro meu pai [Orestes], Aurélio e o Anézio. O Zé [José]meu tio trabalhava no balcão, minhas duas tias Silica e Olívia davam uma mão na parte da frente. Chegava nas épocas de festas, as pessoas levavam cinquenta, duzentos quilos de leitoa, peru, frango, assavam na padaria e pegavam na véspera. Eram clientes da padaria, então, eles aceitavam que colocassem no forno. Faziam assim os assados ​​pro Natal, pro primeiro do ano. Ficava aquele salão forrado de leitoa, frango, peru, aquele cheiro. Nessa época eu não saía lá de dentro, era uma delícia. E também eles faziam sob encomenda, que nem tem hoje, você vai lá e compra. Muitas vezes, a pessoa matava um porco, você tinha aquele torresmo, então, eles faziam o pão de torresmo pra aquela família. Cobrava só a mão de obra. O pessoal que saia da Sociedade Amigos de Jaguariúna (clube social) dos bailes, saia cinco horas entrava pro lado de dentro, antes da padaria abrir, ia tomar leite com pão, mortadela, pão fresquinho saindo àquela hora, então, o pessoal lotava. Cinco e pouco ele já abria. Eu me lembro que meu pai fazia aquela massa, fazia um nozinho, fazia um biquinho, que nem umas pombinhas assim, e dava pra toda criançada. Era a festa da turma. O seu Moacir Picelli tinha um cachorro cego, quando meu pai batia o portão pra sair da padaria pra ir pra casa de madrugada, ele saia que nem louco esperando meu pai. Meu pai pegava um pedacinho de pão dava pra ele. A padaria não funcionava de domingo pra segunda, não fazia pão, eles lavavam lá e limpavam uma vez por semana. Eu tenho assim um hábito [que]praticamente nasceu ali dentro, eu dificilmente, tem um dia que eu não vou [na padaria]. Agora saio daqui, passo lá, vou pegar o pão, pego uma cervejinha, converso um pouco lá e vou pra casa. Meu pai tinha uma coisa interessante, ele não sabia nem ler e nem escrever, mas ele lia. Ele não escrevia, assinar o nome ele assinava, mas ele pegava o jornal, por exemplo, Gazeta Esportiva ele lia. Assinava razoavelmente e lia sem ter ido na escola. Lia, mas não escrevia. Ele fez um sacrifício tremendo, ganhava pouco e todos nós estudamos.

 
Estudo e horário de trem
 
  O trem, naquela época, comandava até os estudos dos moradores do distrito de Jaguary que queriam frequentar o ginásio ou fazer outro curso. Laércio era um dos moradores que enfrentava as dificuldades para estudar, tendo em vista, que o distrito oferecia até o grupo escolar. Além disso, a vida estudantil era comandada pelos horários dos trens, pois era preciso conciliar o horário da escola com o meio de transporte.


 
  Na escola, ele [meu pai] falava assim, se você for brigar com alguém, se você bater, vai apanhar aqui. Se apanhar vai apanhar também. A professora te der uma reguada eu não vou tirar satisfação. Ele achava que a professora não tinha obrigação de aturar macriadez, ela só estava aperfeiçoando o ensino. Ele sem ter muito conhecimento de estudo ele achava, por exemplo, que com professor tinha que ter um respeito e aliás o professor naquela época ele tinha realmente uma outra posição. Todo mundo tinha que estudar. Eu fiz o meu grupo escolar uma parte lá embaixo no antigo [prédio onde atualmente é o edifício Fiorindo Granchelli]depois fiz aqui em cima, no coronel [Amâncio Bueno, onde abriga atualmente a Prefeitura]. Era só grupo escolar. A parte de segundo grau, nós tínhamos que fazer na região. Era super difícil e nós vivíamos na rota do trem. Eu estudei em Campinas, em Amparo e Mogi Mirim, de acordo com o horário [do trem]. Como era feito, não só eu como quase todos, de acordo com o trem. Se o trem não dava horário, a gente tinha que mudar. Quase todo mundo teve que fazer isso. Não havia condições porque você pegava o trem, pra ir e voltar, então, todo começo de ano você tinha que saber quais os horários que haviam. Eu estudei assim um bom tempo, em Mogi [Mirim], em Amparo acho que foi um ano, dois e mais em Campinas, mas era até hilariante, chegava pegava o noturno, de madrugada, pra chegar sete horas no Diocesano, o Diocesano de Santa Maria era do lado da Matriz ali, entre a Costa Aguiar e a Treze de Maio, em Campinas. Você chegava na estação bom dia, o trem está na hora? Não, ele está em Ribeirão Preto. Quantas vezes aconteceu isso, e nesse dia a gente não ia. A gente perdia muita aula. Depois a parte de Técnico em Contabilidade fiz na Academia São Luís. Depois de um bom tempo, já estava sendo vereador que eu fui fazer a universidade em Campinas lá na PUCC, atrás da igreja do Carmo. Eu fiz contabilidade.

 

Emancipação e política
 
  Embora nem pensasse em se tornar um político, Laércio teve o privilégio de estar presente na reunião que discutia a emancipação político-administrativa do distrito de Jaguariúna, quando era mais jovem. Timóteo Barreiro Filho foi o grande responsável e incentivador para que Laércio seguisse na carreira política. Quando foi vereador pela primeira vez, Jaguariúna tinha um cenário bem diferente da atualidade. No ano de 1982, Laércio ganhou as eleições para prefeito, tendo como vice, Tarcisio Cleto Chiavegato.


 
  Quando eu era mais jovem eu estive presente na reunião que fez o pedido pra fazer Jaguariúna se desvencilhar de Mogi Mirim. Eu estava na casa do tio Alfredo [Chiavegato] quando isso foi feito e depois de um certo tempo o decreto que emancipava Jaguariúna saiu em 31 de dezembro de 1953. Eu me lembro perfeitamente que tivemos aqui dois vereadores, que eram daqui e foram pra Mogi Mirim, era o tio Reinaldo Chiavegato e o Aristides Rizzoni. Eu fui vereador de [19]72 a 76 e de 76 a 82. Vereador não ganhava foi o presidente [João Batista] Figueiredo (1979 a 1985) que introduziu o salário de vereador, no fim do mandato nosso. Depois [19]82 que eu me elegi [prefeito]. Ele [Timóteo] vivia falando pra mim você tem que ser candidato a prefeito. Timóteo, eu não quero isso aí até que um dia ele falou, então, você vai ser candidato a vereador. Você sabe que eu não fiz cédula [santinho]e me elegi em primeiro lugar. Fui o mais votado de todos. A única coisa que eu posso dizer é que na segunda vez, eles me elegeram presidente da Câmara. Foi um ano que nós fizemos um trabalho, que pouca gente sabe, que foi trabalhoso demais, a venda da Jaguary de Eletricidade, pra um cara lá de São Paulo, foi quando melhorou bastante energia aqui do nosso lado. No primeiro dia que eu peguei de prefeito, deu uma enchente (era comum o rio Jaguari transbordar e provocar enchentes, isso acontecia antes do rio ter parte de suas águas desviadas para São Paulo no sistema Cantareira). Foi no começo do governo. Pusemos camas, tudo no Cinema do Padre. Foi no primeiro dia, nunca mais esqueci. Eu acho que umas vinte famílias na época. Na primeira campanha usava ir nas casas. Eu nunca mais esqueci foi logo depois de julho, em [19]82, eu fui na Copa do Mundo na Espanha. Tinha um sonho ir na Copa do Mundo, quando voltei estava em agosto e a eleição era novembro. Aqui no Centro da cidade nós já tínhamos mais facilidade porque estava bem comentado. Eu nunca mais esqueci fui com o seu Pedro Abrucês, na rua Guanabara para fazer política. Falei seu Pedro estamos desde agosto e nós não saímos da rua Guanabara foi ai que tivemos ideia de fazer campanha com o caminhão, subir em cima do caminhão e arrumar um microfone. Nunca mais esqueço, o Valdemar Mantovani, acho que ele escutou na rádio, ele correu lá em casa, você ganhou a eleição. Não fomos nem Mogi Mirim, não tinha nem jeito de ir Mogi Mirim, não tinha carro. [A comemoração] foi um festaço, no centro da cidade. Chope, comida a vontade, varamos à noite, no centro [Praça Umbelina Bueno]. Foi maravilhoso. Foi pra população e foi tudo assim, de improviso. Eu não tinha nenhum tipo de experiência de prefeitura eu era vereador. Eu era um cara assim, dado, popular, então o pessoal tinha muita aceitação. Cercava eu na rua e pedia, eu marcava no papel o que eu podia fazer eu fazia, era diferente. E dentro da prefeitura eu era mais brincalhão do que propriamente um prefeito lá dentro. As festas, as coisas que a gente fazia, amigo secreto, aquelas coisas todas, trouxe assim uma facilidade. Os guardinhas, na hora do almoço, eles vinham assistir televisão no Gabinete.

 
Pontilhões
 
  Na década de 80, os trens já não passavam mais pela Estação de Jaguariúna e os pontilhões ferroviários na rua Cândido Bueno se tornarem entraves para o progresso da cidade, pois era comum acontecer de um caminhão ficar entalado. Esse cenário mudou no ano de 1983. Em 26 de julho, através do decreto 960, a área do pontilhão e da estrada de ferro, de propriedade da Fepasa, era declarada de utilidade pública para fins de desapropriação, na administração de Laércio José Gothardo. Todo esse processo, de acordo com Laércio, foi acompanhado diretamente na época por Pedro Abrucês.


 
  O que tinha ali era muitas reclamações. Um pontilhão era mais alto e o outro mais baixo, então, iludia os motoristas. Não conseguia passar no segundo, então, tivemos encalhe de caminhão de fogão, de madeira.... Eles murchavam os quatro pneus para baixar e arrastava com a máquina da prefeitura. Foi causando mal-estar porque as pessoas não conseguiam entrar na cidade. E foi crescendo a ideia de tornar possível a passagem para o centro da cidade e o Circuito das Águas. Com o documento de emissão de posse, corremos para contratar a empresa para a derrubada e pedimos autorização do Exército para usar dinamite. No dia que fomos começar derrubar veio todo pessoal da Fepasa, mas mesmo assim, derrubamos porque não tinha mais volta. A rua ficou lotada para acompanhar e foi uma alegria ver tudo aberto com a possibilidade de crescimento. A derrubada dos pontilhões foi o ponto principal até hoje, pois a partir desse momento, a cidade começou a se desenvolver. 

 

Carnaval
 
As décadas de 70 e 80 foram marcadas pelos principais desfiles de escolas de samba, no Carnaval de Rua de Jaguariúna, reunindo Estrela do Morro, Onça Preta e Santa Cruz. Laércio integrava a escola Santa Cruz, que surgiu em 1974. Os desfiles aconteciam na rua Cândido Bueno, em frente à Praça Umbelina Bueno.


 
   Acabou criando uma rivalidade e todas as vezes nós fomos campeões. Nós chegamos sair com 600 pessoas. Ficou grandioso envolvia muitas famílias. [O carnaval mais marcante da escola foi] aquele que nós saímos com os navios. Nós montamos dois navios enormes no fundo da minha casa, depois não passava, aí derrubamos o muro, tinha um terreno no fundo derrubamos o muro. Nós falamos, Toninho do Centro [Antonio Marques de Oliveira, responsável pelo Centro Telefônico]os navios são altos. Nós temos que passar se não passar nós derrubamos o fio do telefone. Viramos, bateu o pau lá em cima e cortamos o fio do doutor Jorge [Rios Muraro]. Depois pra passar nos dois pontilhões, arrear tudo aquilo, pra passar nos pontilhões, aí passamos, viramos a esquerda e aí nós cortamos tudo quanto foi telefone. Tinha quatro, cinco metros de altura. [O carnaval] era um divertimento pra gente.  
 
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