Memórias de Jaguariúna

Capítulo 13 - Paixão pela profissão de professora começa em brincadeira de criança

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 18/08/2023O casal Alberto de Almeida e Paulina de Almeida Mestiere com as filhas Maria Olinda, Thereza e Nilde (de vestido preto) e o filho Norberto. Na foto não está o filho Nelson (Acervo da família de Nilde)Maria Olinda de Almeida Rizzoni, conhecida por Nilde (in memoriam), filha de Alberto de Almeida e Paulina de Almeida Mestiere, nasceu em Amparo, no ano de 1921, num tempo em que não existiam recursos na área da saúde, no distrito de Jaguary. Até o quarto ano, Nilde estudou no distrito e depois seguiu os estudos na cidade de Campinas. Naquele tempo existia o exame de admissão, reunindo as matérias de Português, Aritmética, Geografia e História, que era realizado após a conclusão dos quatro anos do primário, nas escolas públicas, para que o aluno pudesse frequentar o ginásio.

Nilde optou por não fazer a admissão e prestou exame para cursar o ginásio no Colégio Sagrado Coração de Jesus. Determinada ainda em seguir na profissão de professora, ela frequentou a Escola Normal Livre, que funcionava em anexo ao Sagrado Coração. Nesse local, ela estudou no ginásio e fez o curso de professora, se formando em 1940.

Ela começou a carreira profissional na cidade de Pedreira. Se casou com Aristides Rizzoni, em 17 de janeiro de 1954, e no ano seguinte, 1955, foi transferida para Jaguariúna indo lecionar na Escola Amâncio Bueno, que já funcionava no prédio onde atualmente sedia a Prefeitura de Jaguariúna. Numa brincadeira de criança, ela já mostrava que tinha o dom para a educação. 

 
 
  Nasci em Amparo porque meus avós [Alberto Mestieri e Albina Bertoli] moravam lá e aquele tempo não tinha maternidade [no distrito de Jaguary]. Aí minha mãe quando eu fui pra nascer foi pra lá. Com um mês eu vim embora pra casa [na rua Cândido Bueno]. Daí fiquei morando aqui até tirar o diploma de grupo. Naquele tempo não tinha grupo escolar, era Escolas Reunidas (onde atualmente tem o prédio do Granchelli, na saída para Pedreira). Em [19]32 passou a grupo escolar [de Jaguary], mas faltavam alunos para poder formar o quarto ano. Daí arranjaram uma turma de moças, já de idade e as que estavam no terceiro ano, era eu, Regina Chiavegato e mais uma turminha, fomos ficar juntos, mas não tiramos o diploma porque era dois meses só de estudo. Daí nós fizemos o quarto ano no ano seguinte. Eu me formei no quarto ano, com 11 anos. Naquele tempo todo mundo vinha, a maioria dos sítios aqui perto, eles vinham descalços e aqui de Jaguariúna ia de sapato só eu, meu irmão e as minhas duas tias. Aí a gente parava, tinha a loja de seu Miled ali na esquina, tinha uma escadinha, a gente parava ali, tirava o sapato, enfiava na bolsa que antigamente era aquela sacola de pano, punha o sapato ali dentro e ia embora pra escola, descalços, como as outras crianças, nunca quisemos ser melhores. Não tinha professora aqui em Jaguariúna, tinha uma só. As outras todas vinham de Campinas, de trem, desciam e já iam pra escola. O nome dela era Albertina, mas ela só lecionava primeiro ano. Eu mesmo fiz primeiro ano com professora de fora. Daí eu fiz o quarto ano já com a criançada da minha idade. Passei e naquele tempo fazia um ano de admissão, mas eu falei vou prestar exame não quero nem saber de admissão. E fui prestar exame em Campinas e passei [no Sagrado Coração de Jesus]. Meu avô [Alberto Mestieri], que era o pai da minha mãe mudou para Campinas, aí eu fui morar com ele, com 11 anos. Eu só vinha cada quinze, vinte dias aqui pra Jaguariúna, primeiro também, porque a condução era muito difícil. Só o trem e tinha uma peruinha que vinha também, mas tinha àquela hora certa. Não era fácil. A gente fazia cinco anos de ginásio, não era quatro, cinco anos. Daí tinha mais dois anos da formatura de professora. Levava sete anos pra se formar. Eu me formei tinha 19 anos. O ano que eu me formei, meu pai foi transferido para Pedreira [trabalhar da Companhia de Energia do Sylvio Maia. Eu comecei minha vida profissional em Pedreira.

 
Criança
 
  A paixão por ensinar começou quando era criança e brincava de professora com os amigos. Depois disso, ela foi percorrendo um caminho até se formar. O primeiro emprego foi em Pedreira quando ingressou como substituta e depois se efetivou em Santa Rita dos Coqueiros, atual município de Cássia dos Coqueiros. Foi transferida para Duplo Céu, distrito de Palestina, região de São José do Rio Preto, como diretora substituta. Foi ainda professora em Eleutério, distrito de Itapira e depois veio para Jaguariúna e exerceu a profissão até se aposentar em 1974.


 
  Eu gostava de brincar de professora. Punha três, quatro e ficava dando aula como se eu fosse a professora. Em Pedreira, minha sorte foi ter a letra bonita. Naquele tempo não tinha nada escrito na máquina e tudo tinha que ser feito no papel. Aí o diretor punha uma pessoa pra trabalhar na minha classe mesmo eu sendo substituta, punha alguém no meu lugar pra eu ir fazer as coisas na diretoria. Aqui em Jaguariúna, agora não, porque tem muita gente nova, mas a maioria passava, oi dona Nilde. Outro dia eu estava parada lá na frente, daí subiu uma mulher, falou eu vim abraçar a senhora, falou lembra de mim? Aí ela falou foi minha professora me abraçou beijou. Aí um dia encontro com meu ex-aluno da aula de matemática. Eu falei, escuta uma coisa, como é que você pode ensinar matemática se eles não sabem tabuada? Antigamente você tinha que decorar. Tem que decorar tem que saber contar de três em três de quatro em quatro, mas aí você tem que saber quatro vezes um, quatro vezes dois, porque senão você não sabe nada. Hoje saem do quarto ano do grupo, não sabe fazer uma conta de dividir. As melhores professoras lecionavam no segundo ou quarto ano. O segundo ano era a classe mais difícil de lecionar. Quando saísse do segundo ano fazia divisão e fazia tudo. Aí aconteceu que eu escolhi cadeira, demorou meu pai deixou eu escolher cadeira. Aí quando eu fui trabalhar em Duplo Céu [cidade perto de São José do Rio Preto]. Lá não tinha diretor, fui junto com uma outra amiga que trabalhava também lá perto de Pedreira. Aí fomos, chegou lá ai meu Deus não tem diretor. Era grupo escolar com quatro classes e quatro professoras leigas. Aí eu falei eu vou dar posse pra nós duas. Vou fazer o papel e mandei os papéis pra delegacia de São José do Rio Preto, e daí um dia bateu na porta é aqui que mora as professoras? Quem me escreveu e assinou isso. A Nilde, então, está aqui o papel pra senhora ficar como diretora. Fiquei um ano e uns meses, mas minha mãe ficou muito doente, meu pai pediu pra vir embora e vim pra Jaguariúna. Em [19]74 eu aposentei.

 

Fazendo arte
 
Quando criança, Nilde era conhecida por fazer algumas ‘artes’, que era comum na época, e na maioria das vezes, envolvia os próprios irmãos. Num dos acontecimentos, ela chamou a atenção do irmão que não obedeceu e ela de castigo pintou o seu rosto com canetinha.


 
 Eu era terrível quando criança. Tinha aquele pneu eu entrava dentro do pneu e eles rodavam de lá de cima até aqui embaixo. Na rua inteira [Amâncio Bueno]. Daí tinha meu irmão [Nelson] que era pequenininho, ele andava muito bem a cavalo. Eu tinha cavalo e ele também. Quando eu tirei o diploma de ginásio usava aquele tempo ganhar anel. Daí eu falei, eu não quero anel, quero um cavalo. Falei que se ele [meu irmão Norberto] continuasse assim, ele ia ficar todo cheio de pinta (chamando a atenção de um dos irmãos que gostava de mexer em ninho de passarinho). Daí um dia eu peguei aquele lápis tinta [lápis copy] que usavam antigamente, pintei todo o rosto dele. 

 
Fragmentos das lembranças
 
  Nilde recordava de diversos momentos vividos em família e em comunidade. Ela gostava de estar sempre bem arrumada e não tinha o costume de andar de chinelo. O pai Alberto sempre transmitia para os filhos para não se achar melhor que os outros e tratar todos iguais.


 
 A estação antigamente era ali embaixo, então, para não dar a volta fizeram uma descidinha ali, um caminhozinho e a turma descia por ali (atual escadão no final da rua Amâncio Bueno).  E outra coisa também nunca nós andamos de chinelo. Uma que nós morávamos perto do escritório [da Companhia de Energia de propriedade do Sylvio Maia em Pedreira], então, trabalhava um pouco no escritório. Todo mundo de sapatinho e eu fui acostumada assim. Até o pessoal ia lá às vezes pra conversar comigo, ah se eu soubesse que a senhora ia sair, eu não tinha vindo. Meu pai não queria que a minha mãe usasse vestido de bolso porque [existia uma ]senhora que vendia as coisas na estação e vivia pondo dinheiro no bolso, então, quando minha mãe fazia vestido com bolso, ele rasgava. Pelo amor de Deus, parece que você está vendendo as coisas. Aqui tinha festa de igreja e o meu marido [Aristides Rizzoni] e o seu Hugo Masotti, eles sempre planejavam tudo. São Sebastião, era muito importante essa festa. Ficava a semana toda com quermesse. Vinha muita gente de fora. Ele [Aristides] foi vereador em Mogi Mirim e naquele tempo não ganhava nada. Ele gastava dinheiro não ganhava. Ele pegava o trem para ir na sessão em Mogi Mirim. Ele trabalhou e foi com uma turma para São Paulo levar a papelada [para a emancipação]. Meu pai foi cem por cento. Ele falava pra gente assim, pensa que nós não somos nem melhores nem piores que ninguém e por isso, nós somos todos iguais.
 
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