Memórias de Jaguariúna

Capítulo 10 - O trabalho dos mascates libaneses em Jaguary

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 15/08/2023Comemoração dos 90 anos de idade de Miled com os netos Carlos e Mauricinho (atrás) e Ricardo, Paulo e Henrique (à frente) e a nora Maria e o filho Maurício (Acervo Casa da Memória Padre Gomes)Miled Hossri e os irmãos Felipe e Pedro deixaram a terra natal, o Líbano, para tentar a sorte no Brasil e vieram trabalhar como mascates, no distrito de Jaguary. Com malas contendo mercadorias, eles percorriam as fazendas e sítios, e faziam todo o trajeto a pé. Com o tempo, os irmãos deixaram de mascatear, mas continuaram no ramo do comércio e adquiriram o próprio negócio de Secos e Molhados, no centro do distrito.

Já Antonio Maurício Hossri, filho de Miled, também teve comércio seguindo a tradição da família ao montar uma loja de material de construção em sociedade com Jayr Piva, que tinha o nome de Piva e Hossri Ltda, localizada no prédio onde atualmente funciona a agência do banco Santander. Ele também trilhou outros caminhos: da educação e da política. Foi professor durante 35 anos, sendo 15 anos, como diretor do Grupo Escolar Coronel Amâncio Bueno e um ano no Ginásio Estadual de Jaguariúna, hoje Escola Estadual Celso Henrique Tozzi. E deu a sua contribuição para o desenvolvimento de Jaguariúna, nos cargos de vereador e prefeito. Maurício ainda recorda do trabalho desafiador dos seus antepassados.  


 
  O meu pai veio do Líbano pra cá. Os pais tinham fazenda e eles criavam frutas essas coisas. Ele contava que enterravam as frutas na própria terra pra conservar. E quando ele falava das frutas lá do Líbano até chorava coitado. Vieram os três irmãos: o Felipe, o Pedro e o meu pai Miled. E no começo eles saiam mascateando na cidade toda aqui (na época ainda era distrito de Mogi Mirim) até Anhumas, quase Campinas. Ele entrava sempre na fazenda de Guedes, São Domingos, que era lá pra frente, que é o Ana Helena [hoje]. Ele ia mascatear lá e carregando as malas.
 Iam a pé, com malas, levando as coisas, levando todos os objetos, de preferência os mais comuns que eles usavam, então, eles iam vendendo nas colônias. No início de mascate, era só as coisas menores, por exemplo, tudo que tem sobre costura. Eles pagavam quando colhiam a safra deles. Com o tempo, eles montaram ali onde é o Vanil [Rua Cândido Bueno], montaram um comércio alí. Aí, meu tio Felipe foi pra Campinas. O meu pai tinha comprado aquela esquina [rua Cândido Bueno com rua José Alves Guedes]e depois cedeu pro meu tio Pedro. E meu pai comprou aonde é aquele restaurante [rua Cândido Bueno]e ali ele montou [uma loja de Secos e Molhados].Já parou de mascatear e ia entregando de Cabriolé (carruagem com apenas duas rodas e puxada por um cavalo). Tinha o Mateus que era empregado e ia distribuir até São Domingos. E você vê que não tinha condições, nós íamos até São Domingos, depois não tinha retorno porque escurecia. Eu lembro que pousava no sítio do avô do Pedro Pina. Eu gostava porque no dia seguinte a mulher fazia um pão caseiro, era uma delícia. Vinha aquele pão quentinho. A coisa mais gostosa do mundo. Depois que eles montaram a loja vendiam peças de algodãozinho, que eles compravam e no sítio mesmo eles faziam o agasalho pra não tomar sol, então, vendia-se inúmeras peças de algodãozinho. Já passou a vender Secos e Molhados, assim como eles falavam. Era por exemplo, arroz, feijão, uma coisa que mais vendia lá era bacalhau. Fazia as despesas assim a minha mãe ficava com dó e falava põe um bacalhau pra cada porque eles não podem comprar carne. O bacalhau era mais barato que a carne. O pagamento era só na época da safra. Depois que colhia a safra e vendia, vinham e pagavam o ano todo. Eu lembro bem ainda o meu pai também entregava as coisas, mas para entrar nas fazendas tinha que ter a autorização dos fazendeiros. Eles faziam os pedidos e a gente ia entregar e vender. Saia de manhã, porque no começo ele fazia tudo com mala, depois comprou o cavalo, depois comprou uma charretinha e depois o cabriolé. E daí a gente ia entregar com o Mateus e eu fazia questão de ir junto. Eu tinha sete anos, oito anos, eu ia entregar onde é a Duas Marias lá, onde tem o Parque dos Lagos lá era uma floresta, era a coisa mais linda. Era caminho de terra, não tinha nada, dava pra passar cabriolé. Eu lembro bem ainda que tinha uma nascente, que a gente descia aqui, hoje tem o córrego. E a gente ia até pra frente, chegava até quase na metade do caminho que vai pra [Santo Antonio de]Posse. Uma das maiores casas comerciais que tinha na região, era do Gabriel Sayad (imigrante sírio)
vendia até Campinas. Eles entregavam aqui nesse caminho que tem Carlos Gomes, Tanquinho, Anhumas. Eles chegavam até Guanabara vendendo. Gabriel Sayad foi um dos mais ricos aqui. Eles tinham um comércio muito grande. Era a Casa Syria. Tinham secos e molhados, mantimentos e também roupas. O comércio dele se destacava.

 
Futebol
 
O futebol foi o primeiro esporte praticado no distrito de Jaguary, e por muito tempo, era o mais popular entre os moradores. Desde criança, Maurício era um apaixonado pelo futebol e jogou no União Esportiva Jaguariense, time que entrou para a história do esporte por ter representado a cidade no Amador do Estado, que era considerado o maior campeonato do interior. Maurício disputou vários amistosos com a camisa do União e um deles ficou marcado por ter feito um gol no goleiro Oberdan Catani, do Palmeiras, considerado um dos melhores goleiros da época. Outro destaque foi quando se tornou campeão Juvenil do Estado, com o time da Ponte Preta, no ano de 1950. Na Ponte, ele ainda ganhou o apelido de Russo porque o time foi fazer amistosos na Rússia e quando seu Maurício passou a integrar o elenco disseram que ele era parecido com os russos.


 
  Naquela época não tinha rádio, televisão, então, o divertimento que a população tinha era ia à tarde, assistir os jogos, então era concorrido.   Como não tinha muito brinquedo aqui era só futebol praticamente. Eu lembro que depois de moço e formado que eu trouxe o jogo de vôlei e basquete pra cá pro União, mas a maior parte, eles usavam pra fazer baile em vez de jogos. Naquele tempo o divertimento da juventude era jogar futebol. Os jogadores jogavam com amor, garra e tinha vibração. Futebol era a rivalidade entre Jaguariúna, Santo Antônio de Posse e  Santa Sofia, em Pedreira. Quando eu fui pra Campinas eu comecei jogar no juvenil da Ponte. Eu disputei pela Ponte Preta o Campeonato Juvenil do Estado. Nós fomos campeões juvenil do Estado em [19]50. Era esse campeonato juvenil que tem, mas só que era diferente. Ia jogando numa cidade, por exemplo, Ribeirão Preto, com Campinas, então, essas cidades maiores iam jogando e eliminando. E os jogos eliminatórios eram no Parque Antártica e a disputa do título foi lá no Pacaembu na preliminar de Brasil e Bolívia. O Brasil ganhou de 10 a 0 da Bolívia. Parece que foi ontem. Eu fui fazer Vestibular lá no Rio [de Janeiro], então, eles queriam que eu jogasse lá no Vasco (optou por não seguir carreira).

 
Farmacêutico
 
 Numa época em que era difícil a presença de um médico no distrito de Jaguary, o farmacêutico ajudava na manutenção da saúde dos moradores. Um desses profissionais foi Mansul Cordeiro, sogro de Maurício Hossri, que seguiu a tradição de família atendendo na farmácia Santa Maria, que ficava na rua Cândido Bueno.


 
  O médico praticamente não tinha e vinha uma vez. E ele fazia tudo, era médico e farmacêutico, então, ele fazia aplicação de injeção e parto. Saia pra fazer parto a noite. O pai dele [Daniel Cordeiro], eu lembro eu era garoto tinha uns oito anos, dez anos, no máximo, o pai dele ia nas casas, ia em casa, e eles eram como um médico, como o responsável pela saúde. Ele saia sempre de terno e gravata. O pai dele também teve farmácia em São Paulo, Monte Mor e Cordeirópolis. Geralmente eles vinham buscar com carroça. Os sitiantes daqui todos eles tinham uma charrete, uma carroça. E o Mansul gostava muito também de comércio. Ele fazia muita compra e venda. Ele comprava muito terreno, casa assim, mas só que ele não ficava, ele já ia vendendo.

 

Política
 
  Antonio Maurício Hossri seguiu a carreira política, sendo eleito vereador por três mandatos consecutivos: 1977 a 1982, 1983 a 1988 e 1989 a 1992.  Chegou a ser vice-prefeito de 1993 a 1996 e prefeito de Jaguariúna, no período de 1997 a 2000. Ele não pensava em se tornar um político até que percebeu que poderia ajudar no desenvolvimento da cidade. Isso ocorreu quando amigos de Maurício escolheram Jaguariúna para instalar uma indústria, mas o negócio não foi concretizado, porque a energia elétrica não comportava essa instalação. É que o município dependia do fornecimento de energia elétrica da Empresa Hidrelétrica Jaguari, que pertencia a Usina Macaco Branco, de propriedade de Sylvio de Aguiar Maya, que por várias décadas forneceu energia elétrica para Pedreira e Jaguariúna.


 
 
  Nós dependíamos de Mogi Mirim e nós lutamos pra emancipação de Jaguariúna. Em três ou quatro eleições, a gente votava para prefeito lá de Mogi Mirim. Depois eles indicavam o subprefeito de Jaguariúna. Eu lembro numa eleição indicaram o Carlos Turato e o Benedito Bergamasco. A eleição foi lá em Guedes. Reunia toda Jaguariúna para votar no subprefeito daqui. Eu me lembro que eu trabalhei para o Carlos. O Benedito Bergamasco tinha certeza de ganhar, então, quando ele foi votar ele falou ‘aqui meu voto é do Carlos Turato’. E na apuração ele perdeu por um voto. Eu nunca esqueço isso. Perdeu por um voto. Eu ingressei na política por uma razão. Eu tinha trazido pra Jaguariúna uma indústria grande que deu início a Sumaré. A indústria era do filho do Miguel Vicente Cury, do Salim...que eram todos meus amigos. Eles tinham um terreno aqui e quiseram trazer a indústria pra cá. O Sylvio Maia não deixou (Nessa época, ele era responsável pela energia elétrica de Jaguariúna). Ficamos brigando por dois, três meses.  Ficava de 4 a 8 horas por dia sem energia elétrica. Televisão só chuviscava. Eu lembro do Bertinho de Moraes (Alberto de Moraes) perdia leite e açougue perdia carne, então, não tinha condições de nada. Eu pensei eu nunca gostei de política. Eu tinha um comércio estava bem, de material de construção, aí me candidatei, por sinal, tive uma votação que eu não esperava porque a minha mãe morreu em outubro e não fiz nada. Não sei se foi 485, se 465 de votos, por aí. Na minha primeira eleição já me colocaram presidente da Câmara. Eu fui 16 anos de vereador. O vereador trabalhava e ia exercer o cargo mas sem ter remuneração nenhuma. Só nos últimos quatro anos, mas mesmo assim, não recebemos porque o prefeito não pagava e ficava por isso mesmo. A cidade era muito pobre. Nós fizemos uma reunião em frente da prefeitura e nos comprometemos a ir em Brasília cuidar da energia. A Câmara, dependia tudo da Prefeitura, não tinha liberdade. Se você quisesse comprar um lápis, você tinha que pedir para o prefeito, então, nós estruturamos a Câmara. Organizamos e introduzimos [mudanças]. Essa foi a primeira coisa que nós fizemos para funcionar a Câmara. Até hoje confundem Câmara e Prefeitura. Acham que é a mesma coisa. Até hoje eles não sabem que aqui é um poder e ali é outro. Daí começou nossa luta pra melhorar isso e aquilo, então, a gente ia nos bairros. Jaguariúna faltava bastante coisa. Fomos lutando em todos os setores.
 
 
 
 
 
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