Memórias de Jaguariúna

Capítulo 2 - Família Pires na Fazenda Florianópolis

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 31/07/2023 Tomaz viveu uma parte da infância na Fazenda Florianópolis. Na foto, ele ainda criança, com uma sanfona, junto com os pais Francisco e Tarsila Pires e os irmãos Dimas Lúcio, Gualberto, Toninho e Léia à frente (Acervo Casa da Memória Padre Gomes)A história da Fazenda Florianópolis se entrelaça com o surgimento de Jaguariúna. De propriedade do Coronel Amâncio Bueno, a fazenda deu origem a cidade quando parte de suas terras foi desmembrada para se transformar na Vila Bueno, no ano de 1894. No terreno que também pertencia a Florianópolis foi construída a Igreja de Santa Maria, datada de 1894, no estilo gótico.

Já no ano de 1915, a fazenda foi a leilão e arrematada pelos marchantes José Pires Junior e o sócio João Pedro de Figueiredo, em praça pública, em Mogi Mirim. A fazenda produzia leite, café, cereais, algodão e tomate, mas com ênfase na pecuária, área de atuação dos novos proprietários. Com o passar do tempo, em 1958, Antonio Moraes Pinto Junior comprou a fazenda e alterou o nome para Serrinha.

Na atualidade, a fazenda é de propriedade de João Simoso, da empresa Basalto Pedreira e Pavimentação. Tomaz de Aquino Pires, coordenador da Casa da Memória Padre Gomes, morou na fazenda quando era criança e como um apaixonado por Jaguariúna coleciona diversas histórias do lugar e sempre destaca a sua importância para a formação de Jaguariúna, que nasceu das terras da Florianópolis.


 
  Os meus avós paternos, José Pires Junior e Ursulina Inocêncio de Vasconcelos Pires, a história deles relacionada com Jaguariúna remonta ao raiar do século XX. Em 1915, o meu avô era um marchante, ele era boiadeiro, comprava boiadas no Sul de Minas pra trazer aqui pro mercado de Campinas. E vendeu na época uma grande boiada, e justamente, naqueles dias, em dezembro de 1915, próximo do Natal, foi a leilão em praça pública a Fazenda Florianópolis, que era do Coronel Amâncio Bueno. Até a escrituração nos livros de Mogi [Mirim] constam nos primeiros dias de janeiro de 1916, quando lavrou a escritura. Coronel Amâncio Bueno havia morrido em 19 de fevereiro de 1914, e sobraram dívidas pra família e a fazenda foi a leilão. Foi leiloada porteira fechada em Mogi Mirim e meu avô e o sócio dele, outro marchante, João Pedro de Figueiredo foram assistir ao leilão em Mogi Mirim e arremataram a Fazenda Florianópolis, por 83 contos de réis. E dizem que naquela noite, eles não dormiram, passaram a noite contando as moedas e as notas em dinheiro, porque no dia seguinte precisariam tomar o trem da Mogiana, na velha Estação do Jaguary e ir pra Mogi. Eles arrumaram uma cesta de taquara, colocaram o dinheiro, cobriram com jornal, os dois, José Pires e João Pedro de Figueiredo, foram os dois pro fórum de Mogi Mirim levar o dinheiro. Foi o arremate da Fazenda Florianópolis. Daí, o João Pedro de Figueiredo ficou com as terras mais próximas do centro do distrito de Paz de Jaguary, antiga Vila Bueno e o meu avô ficou com a sede e as terras de trás da sede, da Fazenda Florianópolis. Ali se mudaram pra sede da fazenda com os filhos. O meu pai [Francisco Salles Pires] era o caçula nascido em 1915, nesse ano da compra da fazenda. Eles se mudaram pra lá e ali começou a história dos Pires, propriamente aqui em Jaguariúna, mas antes disso, eles já moravam aqui na vila. Tinham casa aqui na Vila de Jaguary. A origem dele é Entre Montes, em Amparo e depois vieram pra cá. Aí iniciou a história na Fazenda Florianópolis, cuidando de gado, comprando boiadas, vendendo boiadas, tirando leite, cuidando do restinho de café que havia na fase final do café, mas já não era mais aquela fazenda do café, porque em 29 houve uma grave crise, foi a quebra da bolsa de valores de Nova York. Os cafeicultores ficaram pobres da noite pro dia. O meu avô dependia mais da pecuária e não do café. Na época, 1929, quando os fazendeiros queimaram os cafezais havia muita oferta e pouca demanda, então deixou de ser o ouro verde. Eles tinham lá a pecuária, o milho, o arroz, o feijão e o algodão, e assim a fazenda foi se sustentando e o comércio de gado era o forte dos negócios do meu avô. Ele teve uma participação grande na vida do Distrito de Paz de Jaguary e da igreja. A família toda fazia parte das associações religiosas. Ele foi subprefeito aqui do Distrito de Paz de Jaguary, subdelegado, juiz de paz e exerceu uma porção de cargos durante a sua vida. Ele negociava, trazia as boiadas e vendia. E os filhos, a princípio, também eram boiadeiros e iam à cavalo buscar essas boiadas em várias cidades pelo interior. E traziam a cavalo pelas estradas. Não eram todos os rios que haviam pontes, então, atravessavam o rio com a boiada a nado.


 
Gruta
 
  A gruta construída no ano de 1941, na Fazenda Florianópolis marcou as comemorações das bodas de ouro de José Pires Junior e Ursulina Inocêncio de Vasconcelos Pires. O casal recebeu de presente a gruta dos filhos, por ser bastante religioso. A construção passou a receber visitação de moradores do distrito e também era comum o movimento de pessoas do lugarejo para pegar leite na fazenda. Esses fatos ocorreram numa época que Jaguariúna era pequena, com poucos habitantes, que se dividiam entre parentes ou amigos, ou seja, existia uma proximidade grande entre as famílias.

 

  Em 3 de agosto de 1941 foi a bodas de ouro dele e os filhos deram de presente aquela gruta de Nossa Senhora de Lourdes porque a família era muito católica e rezava o terço diariamente pra Nossa Senhora do Rosário, então, eles fizeram essa gruta. (Nossa Senhora é saudada com diversos títulos, sendo que na sala grande era Nossa Senhora do Rosário e na gruta Nossa Senhora de Lourdes). Agora, como era uma família muito frequentada, visitada e família grande, era uma fazenda que estava sempre aberta para as comemorações e realizações. E o pessoal ia tomar leite de manhã e comprar leite lá. Onde nós achamos que funcionou muito como senzala, na época do meu avô ele encheu de vacas, retirava o leite e o pessoal da vila ia comprar leite. Além de quem ia comprar, ele tinha a carrocinha e o pessoal da fazenda descia. Tinha um cunhado do meu avô que chamava Nhô Quim [Joaquim Inocêncio de Oliveira]descia com a carrocinha e vinha entregar leite na cidade. Para as viúvas, ele não cobrava, ele doava o leite. E para o pessoal pobre, que morava na rua da Estação, ele mandava distribuir leite. Naquele tempo nem geladeira tinha, o que não fazia de queijo ele doava, um pouco vendia. Quando fez a gruta de Nossa Senhora de Lourdes, o pessoal subia todo o dia 11 para rezar o terço. Foi uma fazenda sempre muito aberta e com esse congraçamento da população da vila com a fazenda. Em [19]52 começou aquele movimento para a emancipação política e lá aconteceu a primeira reunião para cuidar da emancipação do Distrito de Paz de Jaguariúna, então, na sede nasceu o município. Da Fazenda Florianópolis nasceu Jaguariúna, então, o cordão umbilical está lá. E de lá saiu o primeiro prefeito. Interessante e tem muita história ligada à fazenda. [A fazenda] ficou conosco até 1958 e foi vendida pro Doutor Antônio Moraes Pinto, que ficou com ela até recentemente. Manteve a fazenda, não destruiu nada, manteve os muros de taipa de pilão que os negros construíram, cuidou muito bem da sede, construída pelo Cândido Bueno, pai do Coronel Amâncio Bueno, em 1870, com as telhas que os negros fabricavam nas coxas. E os tijolos eram feitos na olaria da Florianópolis. Esse nome permaneceu apenas no loteamento Jardim Florianópolis. Esse é o nome original da fazenda. A fazenda não pode trocar de nome. O nome dela não é Serrinha, o nome de batismo é Florianópolis. O Coronel Amâncio Bueno era republicano e muito amigo do Floriano Peixoto, daí o nome da fazenda Florianópolis. O cordão umbilical de Jaguariúna e o coraçãozinho de Jaguariúna começa a bater na sede da Fazenda Florianópolis, onde o Coronel Amâncio Bueno sonha com o empreendimento imobiliário. E com as terras da Fazenda Florianópolis, ele faz um empreendimento e em 1894 nasce a Vila Bueno do lado da Estação de Jaguary.


 

Primeiro prefeito
 
Joaquim Pires Sobrinho, conhecido por Quinzinho e tio de Tomaz, resolveu se dedicar à política e foi o primeiro prefeito de Jaguariúna, após a emancipação político-administrativa em dezembro de 1953. Foi um tempo de muitos desafios na Prefeitura, pois não haviam recursos financeiros. 

 

  O tio Quinzinho foi pra vida política, tornou-se o primeiro prefeito, a partir de 1º de janeiro de 1955. Nós mudamos da fazenda em 55, eu tinha sete anos, quando o tio Quinzinho tomou posse da prefeitura. Mudamos aqui pra Vila e meu pai [Francisco Salles Pires]montou comércio. Naquela época, ele [Quinzinho] havia comprado as partes dos irmãos da fazenda. O tio Quinzinho era o mais arrojado, era o líder da irmandade e fazia mais negócios. Ficou sozinho e ficou muito pesado pra ele administrar a fazenda e a prefeitura, então, ele abriu mão da fazenda pra cuidar do bem público. Jaguariúna, um município pobrezinho não havia indústrias. Teve que alugar uma casa e alugou a casa do tio dele [Joaquim Pires] pra montar a prefeitura, um casarão antigo, onde hoje é esse prédio de três andares, fica entre a rua José Alves Guedes e a Praça Umbelina Bueno, na Cândido Bueno. Era muito difícil. Ele punha o seu carro, pro seu trabalho, pra administrar a cidade. O primeiro mandato dele foi de [19]55 a 58 e depois foi reeleito em 62. O segundo prefeito foi Adone Bonetti, de 59 a 62. Depois tio Quinzinho se reelege em 62 e exerce o cargo de 63 a 66. Coube ao primeiro prefeito alugar uma casa, comprar os móveis, montar a primeira prefeitura. Usava o carro do prefeito para servir o município.
 


Assombração
 
 Era comum no tempo das antigas fazendas, os moradores contarem histórias de assombração e a Fazenda Florianópolis era cercada por muitos mistérios. 
 


  A minha tia Albertina contava que nas primeiras noites que mudaram lá pra fazenda e em várias madrugadas eles escutavam chicotadas debaixo do assoalho e gemidos. Ficavam muito assustados. Depois de um tempo passou. Era o pessoal do Coronel Amâncio Bueno chicoteando os escravos. Ali onde era o curral era tipo de uma senzala, era mais fechada e quem construiu aquela sede, em 1870, foram os escravos, que levantaram a sede. Foi o pai do Coronel Amâncio Bueno, foi o Cândido Bueno. Na época, em 1870, o coronel tinha 10 anos. Uma vez, eles estavam voltando da reza a noite. Naquele tempo, as famílias tinham as novenas e os padres faziam a noite reza. Não podia rezar missa de noite. A missa era só de manhã. Antes do Concilio, as únicas missas a noite eram da Semana Santa e Missa do Galo que era meia noite, então, naquele tempo havia reza à noite. Rezava o terço, cantava as ladainhas de Nossa Senhora, em latim e depois tinha a benção do Santíssimo, tocava o sino. Onde quer que estivesse ficava todo mundo em silêncio, que era hora da benção do Santíssimo, até parar de bater o sino. O pessoal se benzia em sinal de respeito. Então, meus pais e meus tios vieram na reza de noite e chegando na sede da fazenda, janela aberta, perto do casarão e viram tudo aberto porque só na hora de dormir que eles fechavam. E eles acharam que era o meu avô que estava debruçado na janela e o tio Zico [Sebastião Pires], irmão do meu pai: oh coronel, boa noite, como vai coronel... Entraram lá e foram pro fundo da casa, o meu avô estava na cozinha. Que história é essa. Ficaram assustados e foram correndo lá e não viram ninguém, então, falaram que era o Coronel Amâncio Bueno que estava na janela. Essa é uma das histórias.
 

 
 
 
Compartilhe:
Comente:
Patrocínio Memórias de Jaguariúna