Memórias de Jaguariúna

Capítulo 19 - Olha o amendoim e lá vem o carroceiro

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 24/08/2023Casamento de Alzira Armelin com Vitor Antelmo: Adelmo Carpi, Beatriz Armelin e os filhos Adelcio e Carlinhos, Antonio, pai de Beatriz que era vendedor de paçoca e amendoim, Ermínia, mãe, Maria Armelin e Jaime Gasparoni, com o filho Zé Carlos (Acervo família de Beatriz)Os pais de Beatriz Armelin Carpi saíram de Monte Sião para residir no distrito de Jaguary, na década de 1930 e foram morar na Serrinha, que fica localizada no final da rua Cândido Bueno, próxima ao Centro e na saída para Pedreira.

O local ganhou esse nome por causa de uma serraria a vapor, inaugurada em 24 de junho de 1902, pelo fundador da cidade, coronel Amâncio Bueno, que ficava no pé do morro. Desde então, os moradores batizaram o local com esse nome e passaram a chamar de Serrinha. E no passado teve até time de futebol, comandado por Adelmo Carpi, marido de Beatriz, representando a Serrinha, em amistosos e competições. 

Já a infância de Beatriz no distrito foi marcada por brincadeiras que ocorriam no quintal da casa. Não existiam brinquedos e a criançada usava a criatividade em busca de diversão. As lembranças da primeira sandália e de uma comida preparada pela sua mãe ainda estão presentes em suas memórias, mesmo com o passar dos anos. A escola ficava na rua Cândido Bueno, perto da Serrinha. Era comum, as crianças interromperem os estudos para ajudar a família, como foi o caso, de Beatriz, que resolveu trabalhar de empregada doméstica.

 
     
   Eu nasci em Monte Sião. Quando nós chegamos em Jaguariúna, nós viemos morar aqui [na Serrinha]. Era tudo pequeno e ia na escola aí, do seu Oscar [de Almeida, diretor], aonde é os Granghelli agora [Edifício Fiorindo Granghelli]. A vida era difícil. Não tinha lanche pra levar. As crianças [ganhavam] aqueles pãozinhos passado mel. Era aquele lá só. Não tinha dinheiro pra comprar lanche e nem pra levar. A gente ganhava caderno, ganhava lápis de cor, tudo da Caixa, que eles falavam. Uniforme era um só. Minha mãe ensinou assim, quando chegava da escola, não tinha guarda-roupa, então, minha mãe pôs preguinhos na parede, cada um tinha um preguinho. Chegava da escola, tinha que tirar a roupa, dependurava lá, não tinha outra para pôr para não sujar pra no outro dia ir na escola. Aí tinha uma paredinha, assim, no quarto de tijolo e minha mãe falava agora vocês vão sentar nessa paredinha e vão olhar a cabeça uma da outra. Minha mãe tinha medo que pegava piolho. Depois vocês vão fazer a lição. Aquele tempo era primeiro, segundo, terceiro e o quarto [ano], depois tirava diploma. Eu fiz o primeiro ano e o segundo ano, passei com nota boa, quando foi pra mim passar para o terceiro ano aí eu saí da escola, eu tava com 13 anos, para ir trabalhar pra ajudar em casa. Primeiro emprego meu eu trabalhei na casa da Cecília [filha] do seu Quinzinho, você lembra dele? [Joaquim Pires Sobrinho, prefeito de Jaguariúna nas gestões: 1955 a 58 e 1963 a 66 ]. Depois dali eu fui trabalhar na casa da Lia do Lazinho [Lázaro Sousa Martins], que era farmacêutico e depois eu fui trabalhar nos Poltronieri. Brincava de roda, de passar anel e de esconde-esconde. Brincava de recitar, uma queria recitar melhor que a outra (risos). Cantava...pegava um pedaço de pau na mão (imitando microfone) e cantava como se fosse cantora. Era gostoso só que minha mãe não deixava sair de casa e só com uma olhada dela a gente já obedecia. O primeiro calçado que eu pus no pé foi uma sandália. Olha, eu recordo a sandália que a madrinha deu pra crismar eu, era de verniz e conforme eu andava assim ela ringia, fazia nhec nhec nhec e eu adorava aquele barulho (risos). Aquele tempo minha mãe fazia minestra: era uma sopa de arroz com feijão, cebolinha e outros temperos.
 
Namoro
 
  Com o passar do tempo, Beatriz conheceu o marido Adelmo Carpi, sendo que ambos moravam na Serrinha. Eles formaram uma família ao se casar na década de 1950. O namoro do passado era rígido e acompanhado de perto pelos familiares. Adelmo se dedicou a profissão de pedreiro, mas também seguiu na política, sendo vereador em quatro gestões (de 1959 a 62, de 1963 a 66, de 1967 a 69 e de 1970 a 73, e ainda ficou duas vezes de suplente.  
 
 
 
   Era aquele namorinho que a minha mãe ficava na cola (não saia de perto). Tinha a salinha, nós ficávamos sentados e ela ficava na varanda e quando chegava umas 10 horas [da noite] mais ou menos, ele ia embora. E minha mãe, cada pouco, falava assim ‘Bea’ tá na hora..... Não podia beijar e se fosse no cinema [ou em outro lugar] uma das minhas irmãs tinha que ir junto. Não ia só nós dois não, era no freio mesmo. Eu casei dia 29 de dezembro de [19]51. O casamento foi uma maravilha. O Adelmo comprou os móveis de casa. Fizemos o casamento e ele pagou a turma que foi tocar no baile, no Salão do Roberto [Mantovani, na rua Alfredo Engler]. A festa foi até amanhecer. Ele ficou [15] anos de vereador, só que aquele tempo não ganhava nenhum tostão, era só dor de cabeça, porque ia lá na prefeitura e discutia, e as vezes ele falava: Beatriz hoje a discussão é feia e perigosa. A única coisa que ele não gostava era subir no caminhão e falar [durante as campanhas].

 
Amendoim e paçoca
 
  Antonio Armelin, pai de Beatriz, trabalhava como pedreiro, mas ficou conhecido entre os moradores como vendedor de amendoim e paçoca, pelas ruas do distrito. Essa era uma maneira encontrada por ele para complementar a renda da família.

 
 
  Tinha que debulhar amendoim para o meu pai. Meu pai fazia o amendoim salgadinho. Depois do amendoim salgadinho ele tirava toda a casquinha e fazia a paçoca. Que eu alembro ele punha um pouquinho de farinha de trigo na salmoura e jogava no amendoim. Depois mexia bem mexidinho, esparramava na forma e enfiava no forno à lenha. Depois que torrava, que a casquinha saia fácil e via que já estava no ponto, não podia deixar queimar, punha na bacia e colocava no saquinho. Quando ia fazer paçoca ele tirava um bom tanto de amendoim, esfregava a mão na peneira e [a]banava saia toda a casquinha. Ai ele colocava o amendoim no pilão, colocava o açúcar e colocava não sei se era metade ou um terço de farinha de milho. E ele socava, socava, socava e socava até que ficava [pronta]. Ele tinha uma peneirinha que coava toda a paçoca e ia colocando no saquinho. A turma até hoje fala do amendoim e da paçoca dele. Eu fui no Mercado do Fonso [na rua Alfredo Bueno] e [falaram] olha a filha do amendoizeiro aí.

 
Carroceiro
 
  Ider Carpi, sogro de Beatriz e avô de Antonio Carlos Carpi, o Carlinhos, trabalhava de carroceiro, numa época distante, onde as carroças movimentavam o distrito e eram usadas para o transporte de lenha e mercadorias, e também realizava mudanças. Carlinhos gostava de acompanhar o avô no trabalho e recorda com saudades daquele tempo.
 
 

  Ele era carroceiro. Vendia lenha porque não tinha gás naquele tempo, então, a turma pedia meio metro [por exemplo], ele punha na carroça e levava na casa da pessoa. Bem antes, ele fazia mudança tudo com a carroça. Tinha ele e o Frederico Calefi. Quando eu era molequinho lembro de ir buscar lenha lá na Colina do Castelo, que era tudo sítio. Até os filmes que passavam no Cinema do Padre [Cine Santa Maria] eu ia com ele pegar na estação de trem de Jaguariúna [hoje Centro Cultural]. Os rolos de filmes vinham enrolados dentro de uma lata, parecia a embalagem de uma pizza. Depois de pegar os rolos na estação, colocava na carroça e deixava em frente do cinema. Passava um dia ou dois, lá fora, e ninguém mexia.

 

Pedreiro e fundador de time
 
   Adelmo Carpi, pai de Carlinhos, trabalhou por mais de 50 anos como pedreiro e foi mestre de obra do primeiro prédio construído em Jaguariúna, com data de 1960 e localizado na rua Cândido Bueno, do lado da Praça Umbelina Bueno. Apesar de muito trabalho, Adelmo tinha como momento de lazer, o futebol, e chegou até comandar o time da Serrinha.  

 
 
  Naquela época não tinha maquinário e era tudo manual e rústico, pois era um serviço mais braçal, se usava equipamentos, como, picareta, enxadão, cavadeira, soquete e brocador manual. Os pedreiros eram artistas. Para cortar a telha e o piso eram usados a torquês, ferramenta manual parecida com alicate. Quando o prédio ficou pronto meu pai ficou como zelador e eu ajudava na limpeza, varrendo as escadas e passando cera nos corredores. Meu pai fundou o time da Serrinha e jogava amistosos no Campo Velho, que ficava na rua Alfredo Bueno em frente à casa dos Carvalho Mineiro, contra times de outras cidades. A chuteira era de couro. A sola e os cravos da chuteira eram pregados com tachinhas, e era comum furar o pé dos jogadores. A bola era de capotão grande. Às vezes, ela estourava e murchava. Naquele tempo era difícil ter ônibus, jogadores e os torcedores iam de caminhão de turma e quando ia para cidades mais longe iam de trem. Chegou participar de torneios e amistosos pela região, em Arcadas, Amparo, [Santo Antonio de] Posse e na fazenda Capim Fino.
 
 
 
Compartilhe:
Comente:
Patrocínio Memórias de Jaguariúna