Memórias de Jaguariúna

Capítulo 20 - A liberdade para brincar e ficar de portas abertas no distrito

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 25/08/2023Eugênia Bodini e João Ferrari chegaram crianças em Jaguary e com o tempo se casaram e constituíram família no distrito Uma história de encontros. Muitos imigrantes italianos deixaram a sua terra natal e acabaram se encontrando no distrito de Jaguary. Alguns se tornaram amigos e outros acabaram namorando, casando e formando as suas famílias. Essa é a história dos antepassados de Adelina Buffolo Souza (in memoriam) que ajudaram na formação do distrito e contribuíram para o desenvolvimento de Jaguariúna.

Os avós paternos de Adelina: Vittorio Buffolo e Maria Isolina Rizzoni chegaram no Brasil, no ano de 1888 enquanto que os avós maternos: Giovanni (João) Enrico Ferrari e Eugênia Bodini desembarcaram em terras brasileiras, nos anos de 1891 e 1888, respectivamente. Adelina gostava de contar a história da família e detalhava como era viver em Jaguariúna, naquela época. Quando adolescente, ela passava um período em Limeira para trabalhar na colheita de laranja e aproveitou para fazer um curso de cabelereira, profissão, que depois exerceu no distrito de Jaguary.

 
 
  Os meus avós, os pais da minha mãe [Maria Ferrari Buffolo], eles vieram da Itália. A família da minha avó foi morar em Guedes, na colônia São Domingos e do meu avô foi morar numa fazenda da Posse (Santo Antonio de Posse). Depois foram crescendo e trabalhando na roça. Todo sábado tinha baile lá em Guedes, num barracão, então, reunia todos os moços. Vinha da Posse, daqui, de Guedes, todos iam. Daí, ela começou namorar o meu avô João [Giovanni Ferrari]. Era um belo putelo, que belo putelo que ele era. (Putelo no dialeto vêneto significa bambino, criança em português). Acho que era uma maneira carinhosa de se referir a um rapaz, ela falava pra nós, mas os pais dela não queriam que ela casasse com ele porque não sabia ler e escrever. Então, ela falou eu ensino. Eles vieram todos alfabetizados da Itália. Aí casaram e ela ensinou ele ler e escrever. Ele era bonito meu avô viu. Dos Buffolo quase não sei nada da passagem deles. Eu só sei que onde é o prédio do Mantovani [rua Cândido Bueno], o meu avô Vittorio Buffolo tinha padaria ali, (existe escritura em cartório que em 1901 foi comprado esse terreno do Coronel Amâncio Bueno para fazer residência e padaria), onde era posto do Moacir Mantovani [rua Cândido Bueno], o meu avô [João Ferrari] tinha armazém ali e minha avó [Eugênia Bodini] cozinhava e fazia comida para batizados, fazia comida para casamentos, e ali eles foram se aplumando, [tiveram]uma porção de filhos e foi crescendo a família. O meu pai Ernesto [Buffolo] ficou doente, teve lepra e deixou quatro filhos. Antigamente, andava tudo a cavalo e ele queria muito que a minha mãe seguisse ele e largasse os filhos. A minha mãe não quis. Meu avô acabou de criar nós e minha mãe costurava muito pra venda, e depois nós crescemos. Eu de mocinha eu ia em Limeira trabalhar no tempo da laranja, trabalhar no barracão e ganhava muito bem na colheita da laranja. Embrulhar laranja para ir para outros estados e outros países. A minha tia [Rosa Ferrari Moller] morava lá, então, todo ano eu ficava uns três/quatro meses em Limeira trabalhando. Trazia um dinheirinho para a minha mãe. Ela era econômica.  Onde [era] o armazém do Toninho Ferrari (supermercado ficava na rua Alfredo Bueno, esquina com Júlia Bueno e atualmente é um comércio) eu morava lá junto com a minha avó numa casa repartida. Depois eu mudei pra casa de baixo [na rua Júlia Bueno] e dali eu fui morar lá na rua [Alfredo Engler]. Eu fui morar lá naquela casa porque o meu irmão [José Buffolo] comprou o salão de barbeiro que era lá, então, tinha três portas na rua, duas portas eram do salão e uma porta era da minha casa. Depois aprendi ser cabeleireira, comecei a cortar cabelo. Depois eu me casei ensinei a minha irmã Lourdes e depois a Lourdes casou ensinou a Terezinha. Antigamente era bom. Todo mundo se conhecia e agora você não conhece mais ninguém.

 
Diversão e escola
 
  Se no passado não existia brinquedos modernos, a criançada tinha mais liberdade para brincar a vontade, pois não existia movimento nas ruas, a não ser de charretes, carroças e cavalos. A escola ensinava desde as disciplinas de matemática, geografia até trabalhos manuais. E Adelina gostava muito de morar na rua Alfredo Engler.

 
 
  A infância a gente brincava muito. Eu morava ali onde era o Toninho [antigo Supermercado Ferrari], falava cadeia velha, eu morava ali. E tinha um quintal grande e eu não sei o porquê, tinha um monte de caixote de frutas lá no quintal, então, a gente brincava de circo, chamava as coleguinhas todas e os meninos. Tudo inocente a gente brincava de circo. As brincadeiras eram amarelinha, passar anel e esconde esconde. A rua não tinha movimento nenhum. Era charrete e carrocinha. Eu adorava aquela rua que eu morava [Alfredo Engler]. Eu morava em frente ao Salão de Baile ia dançar todo domingo, depois que eu fiquei mais mocinha tinha baile durante a noite também eu ia dançar. Eu tenho saudades até hoje daquela casa que eu morei. Com nove anos eu já cozinhava. A minha mãe só costurava para a venda do meu avô e uma semana era minha e outra semana era da minha irmã Lourdes na cozinha. Uma limpava a casa e outra na cozinha trocava sabe. Minha avó comprou um radinho e todo mundo ia lá ouvir o rádio na casa dela. Onde tem o prédio do [Fiorindo] Granghelli lá era o grupo. A escola de antigamente era mais do que você estar no ginásio hoje, ensinava tudo, tudo e tudo. A gente tinha que guardar tudo. Mapa? Você pensa que era colar mapa? Era fazer na mão livre, não é só o mapa de São Paulo e do Brasil não, tinha que fazer da Europa, da América do Sul. Você tinha que saber todas as cidades principais da América do Sul. Tinha dona Ondina pra trabalhos manuais, era uma maravilha pra ensinar. Fazia cada almofada linda. Dava tempo pra tudo na escola. Todas as classes tinham direito de ensinar trabalhos manuais. Depois no fim do ano tinha exposição dos trabalhos dos alunos. Uma sala só de exposição.

 
Estação, namoro e Rua Alfredo Engler 
 
  Adelina se casou com Geraldo Campos Souza, no ano de 1945. Era um tempo em que no namoro não podia nem pegar na mão, havia o maior respeito. Ela recordava ainda com saudades da rua Alfredo Engler e da estação velha, como era chamada entre os moradores, a Estação de Jaguary de 1875.

 
 
 Aquela rua [Alfredo Engler] que começa lá do prédio do Poltronieri (atualmente sedia as instalações do Poupatempo), aquele prédio da esquina até na Jandira Cury (nesse local tinha o Bar do Felício que também vendia fogos de artifício) era o passeio nosso, de todo mundo, das moças e dos moços. Ia naquela rua e voltava... Tinha uma escadona embaixo do prédio do Gabriel [Sayad], os moços ficavam sentados ali e a gente flertava e namorava. [Lembro] da estação velha (Estação de Jaguary – 1875), era lá embaixo primeiro. Tinha uma banca assim, como essa cozinha, lá ficava os Pestana fazendo jacazinhos e enchia de frutas. Tinha os que faziam coisas de madeira bonita. Meu pai era carpinteiro de madeira. Ele tinha oficina, chegava cada tora lá no quintal e eles serravam pra fazer fruteiras de madeira, garrafa....e vendia tudo. O trem passava descia gente pra comprar que só vendo. O passeio da gente aos domingos era descer pra estação, pra ver os trens. Ficava passeando assim beirando os vagões, tinha bastante mocinho bonito e a gente só olhava. Eu já era noiva do Geraldo [Campos Souza]e não pegava na mão dele na rua. Ele morava aqui nessa casa [na rua José Alves Guedes]. Ele nasceu aqui com os pais. Ele era bom, era barbeiro e depois ele fez um concurso, ele ganhou era Guarda Rodoviário. Ele trabalhou não sei quantos anos de Guarda Rodoviário. Deram moto e carro pra ele e guardava tudo aqui. Depois a Polícia Rodoviária optou pra Força Pública e ele não quis ir e ficou ganhando ordenado até se aposentar. A gente largava as portas abertas e portão aberto, não tinha perigo de entrar ninguém. Hoje a gente vive trancada. Aqui em frente era tudo mato. A prefeitura não existia, então, pra mim ir na missa eu tinha que atravessar [o mato] para ir na Igreja [Centenária de Santa Maria]. Não tinha prefeitura, não tinha nada, era tudo mato. [A rua] era de terra e não tinha sarjeta.  

 

Revolução
 
A Revolução de 32, movimento armado iniciado em 9 de julho, liderado pelo estado de São Paulo, que defendia uma nova Constituição para o Brasil e era contra o Governo Provisório de Getúlio Vargas, chegou no distrito de Jaguary, deixando as suas marcas nos escritos na parede da Fazenda Barra, nas fotos e nas memórias dos antigos moradores que acompanharam naquela época a movimentação de tropas, pelas ruas do lugarejo. O comércio também foi afetado na época, como o Armazém de Secos e Molhados, de João Ferrari e Augusto Chiavegato que foram saqueados. Apesar de ter apenas oito anos de idade, Adelina se recordava de quando a família deixou o distrito por causa da Revolução.

 
 
  Revolução, eu era pequena mas me lembro bem. Eu nasci em [19] 24 e tinha oito anos. Nós fugimos. Meu avô pegou o caminhão, pegou toda a família, nós fugimos pro sítio do Mosca. Aí nós ficamos numa casa tudo amontoada, eu sei que eles moíam cana, faziam melado. Quanto comer melado. Jatobá também tinha muito eu gostava de jatobá. Depois meu avô ouviu falar que iam bombardear também pra lá. Meu avô pegou o caminhão, trouxemos tudo pra cá e fomos na estação pegar o trem. Naquela rua ali do Gottardo [Alfredo Engler] era só soldados. A gente passava tudo no meio dos soldados para ir pegar o trem. Fomos pra Campinas, ficamos lá acho uns dois meses quando a loja do meu avô foi assaltada [na rua Alfredo Engler]. Depois, graças a Deus meu avô repôs tudo de novo.

 
Antigamente
 
 Jaguariúna, de antigamente, era bastante diferente da atualidade. Um tempo em que era comum a cena de cavalos circulando pelo distrito e as famílias costumavam realizar o almoço de domingo em família, com a preparação daquela comida especial, reunindo todos em volta da mesa. 

 
 
     Tinha bastante árvores em frente à Igreja [Centenária de Santa Maria]. Antigamente era só cavalo né, o pessoal vinha do sítio todo com cavalo e amarrava naquelas árvores ali em frente à igreja. Não tinha praça, não tinha jardim, não tinha nada, era tudo terra. Tinha um chafariz muito bonito. Festa de São Sebastião, nossa como era famosa aqui, depois acabou. Faziam barracas tudo pra fora, assavam frangos bastante. A gente assava tudo os frangos pra festas. Quantas leitoas. Assava leitoa e vendia leitoa viva. Vinha gente de fora. Dava almoço né, tinha um barracão grande lá punha as mesas e quem quisesse almoçar, ia almoçar lá. Na minha avó, minha mãe ia lá fazer comida todo domingo e minha avó chamava todos os filhos para ir almoçar. O cardápio era gostoso: macarronada, nhoque, tortéi, torta...Fazia aquela mesa que era a coisa mais linda. Era doce de laranja, figo, doce de abóbora. Ah marcou muito, a minha avó fazia muito macarrão em casa, taiadele. Cozinhava a galinha, tirava o caldo da galinha, depois punha o macarrãozinho bem fininho dentro pra cozinhar, ficava aquela taiadele. Que delícia. A Miriam faz até hoje. Colocava bastante queijo em cima era uma delícia. O caldo é muito mais gostoso com a galinha caipira. A primeira televisão aqui em Jaguariúna quem comprou foi o Zico Pires [Sebastião Pires], então, ele deixava a porta aberta [rua Cândido Bueno]e a gente ia ver, mas não era tão perfeita viu. Passava na rua e ficava olhando. A gente não tinha água encanada, era poço, puxar água do poço. Lavar roupa na mão, fogão de lenha, pretejava tudo e arear panela. Para você tomar banho tinha que esquentar aquele caldeirãozão de água e levar a bacia lá no quarto e encher a bacia para tomar banho. Não era fácil a vida antigamente. Hoje a vida é mais fácil.
 
Compartilhe:
Comente:
Patrocínio Memórias de Jaguariúna