Memórias de Jaguariúna

Capítulo 7 - Um padre no distrito

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 05/08/2023Festa na creche Santo Antonio, organizada pelas voluntárias, com a presença marcante do padre Gomes, que tinha o hábito de participar das ações da igreja e da comunidade (Acervo Casa da Memória Padre Gomes)Um padre, um distrito e muitos desafios. Quando Antonio Joaquim Gomes (in memoriam) assumiu a Paróquia de Santa Maria, em 17 de agosto de 1947, Jaguariúna era Distrito de Paz de Mogi Mirim e a maioria da população residia na zona rural. Naquela época, o distrito não possuía água encanada, rede de esgoto e nem asfalto. 

A construção de poços nas casas era o jeito de conseguir água para beber e realizar as tarefas cotidianas, como, tomar banho e lavar louça. Os moradores enfrentavam ainda outras dificuldades no seu dia a dia, como a locomoção para os lugares mais distantes, que acontecia em sua maioria, a pé, de cavalo ou charrete, pois naquele tempo existiam poucos carros.  

O trem já passava pela Estação de Jaguariúna, inaugurada no ano de 1945. O espaço se tornou Centro Cultural, inaugurado no início da década de 1990. Foi batizado com o nome de Ulysses da Rocha Cavalcanti – Zi Cavalcanti e atualmente recebe o trem turístico da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), aos finais de semana e feriados. 



   Era um distrito abandonado. Naquele tempo que não tinha nada eu lembro do trem de ferro (Maria Fumaça). A condução que tinha para ir nas capelas era a carroça. Eu ganhei uma carroça nova e bonita, mas eu nunca comprei cavalo (risos). Era tudo muito difícil. Não tinha asfalto. As estradas eram de terra. Eu ia de carroça visitar as famílias e levar comida pra um e pra outro. Quando não chovia era pó e quando chovia era lama. Não tínhamos água [encanada nas casas]. Só pra mim, Oscarzinho [Siqueira] fez cinco poços. Quando queria tomar banho, pegava [água] e esquentava. Fazia poço para poder ter água que não tinha. 


Concretizando ideias 

O padre Gomes foi conquistando a população e passou a ser uma personalidade marcante na comunidade, pois, além de realizar as funções de pároco, como, celebrar missas e ouvir confissões, foi atuante em diversas áreas, como, assistência social, lazer e saúde. Com uma visão à frente do seu tempo e com apoio dos católicos, ele mostrou o lado empreendedor e conseguiu implantar projetos importantes atendendo as necessidades dos moradores. 

Entre as diversas obras estão o Cine Santa Maria, atual Teatro Municipal Dona Zenaide, localizado na rua Alfredo Bueno e o Estádio Santa Maria, que era conhecido como Campo do Padre. O espaço não existe mais porque deu lugar a construção de um supermercado, na rua Júlio Frank. Outro destaque naquela época foi a construção da Creche Santo Antonio, no mesmo terreno do Campo do Padre. Na fase atual, a creche se tornou Centro de Convivência da Criança e do Adolescente Santo Antonio e funciona na rua Amâncio Bueno. 



   As senhoras trabalhavam na roça. O caminhão ia cedo levar as mulheres para trabalhar na roça e não tinha com quem ficar as crianças, então, deixavam com o padre. Quando o caminhão atrasava, tinha missa e precisava tomar conta das crianças e fui vendo a necessidade [de criar uma creche]. A creche ficava na igreja [Casa Paroquial]. As pessoas me ajudando e fomos construindo. Comprei um terreno para os meninos jogar futebol, virou o campinho do Padre e foi uma das primeiras coisas que eu fiz futebol para as crianças. Era a necessidade de fazer essas coisas. O cinema naquele tempo eu comecei com o cineminha mudo para as crianças do catecismo. O cinema era o seguinte quadro fixo só para a catequese. Depois, o sincronizado de 16 milímetros e depois fui comprando as coisas e construí esse cinema (atual Teatro Dona Zenaide). As pessoas me ajudaram muito. O pessoal era muito bom. A festa de São Sebastião era tradicional. Quando cheguei já tinha essa Festa de São Sebastião. Era a maior festa que tinha. Todo mundo de roupa nova (risos) e aquelas barracas. Todo mundo alegre. 


De dispensário à datilografia 

Ao longo do tempo, o padre Gomes foi colocando em prática várias ações visando facilitar a vida das pessoas. Abriu espaço para os atendimentos de médico, dentista e advogado, além disso, criou um dispensário para ajudar as famílias mais carentes. Um grande avanço na época foi a criação da escola de datilografia Santa Maria, pois as pessoas precisavam viajar até Campinas para fazer o curso. Também implantou uma pequena gráfica que imprimia o jornal O Domingo, com a divulgação das festas, procissões, eventos sociais e demais ações da paróquia. 



   Nós tínhamos um dispensário, era uma espécie da cesta básica. Toda a semana aquelas famílias pobres iam buscar um pouco de arroz e um pouco de feijão. Tinha o gabinete dentário, médico e advogado. Naquele tempo não tinha nada. Era um distrito abandonado, sem nada. Foi muito difícil e Nossa Senhora que me ajudou a fazer tudo isso.  Aparecida Marin ia para a escola de datilografia em Campinas. Ia de manhã e voltava de noite, de trem, era só a condução que tinha. Aí eu pensei em montar uma escola e comprei duas máquinas velhas à prestação (risos). E comecei com duas máquinas. Depois foi crescendo, comprando mais máquinas e tiveram muitas pessoas que me ajudaram. Vendo as dificuldades, eu comprei uma máquina e pus uma gráfica, mas para as coisas da paróquia, porque eu não tinha muito tempo e não tinha empregados. 


Santo Antonio 

  No ano de 1949 foi realizada uma cavalaria em homenagem a Santo Antonio, com saída da fazenda Santa Francisca do Camanducaia, de propriedade de Antonio Oliveira Valente, conhecido por Totó Valente e chegada no centro do Distrito de Jaguariúna. Na época, o administrador da fazenda, Francisco Parisi auxiliou nessa empreitada e o padre Astério Paschoal foi convidado para ajudar na organização. A Cavalaria de Santo Antonio, uma iniciativa do Padre Gomes, ocorreu também nos anos de 1950 e 51. 



  “Fui eu que inventei a cavalaria. Naquele tempo não tinha condução era só cavalos. E aqueles que moravam longe não assistiam missa, então, inventei a cavalaria. A minha intenção era as pessoas assistirem a missa e levar o pãozinho bento [para a casa]. Era a missa e a distribuição do pãozinho bento. Convidava todos esses cavaleiros para vir aqui [no largo da Igreja de Santa Maria, atual Matriz Centenária] e depois rezava a missa pra eles, mas veja só como está mudada [a cavalaria] porque o principal era a missa e a benção dos pães, e hoje já não tem mais missa. 


Respeito e mudanças 

No passado, as relações dos católicos com o padre e dos filhos com os pais aconteciam com bastante respeito. Pedir a benção para o padre e para os pais e avós era uma tradição. O padre Gomes ainda acompanhou as várias mudanças na religião católica. Mesmo aposentado e diante da modernidade, ele seguiu com as suas tradições religiosas, sempre acolhendo os fiéis, celebrando missas e mantendo o hábito de vestir batina no dia a dia, dentro e fora da igreja. 



  Não era só com o padre. Os filhos, minha filha (forma carinhosa que tratava as pessoas), como era bonito, pediam a benção para os pais, toda manhã e à noite. Depois do bom dia, a benção papai....filho, Deus te abençoe. Minha primeira professora, Dona Roberta, eu chegava [na escola] ia beijar a mão da professora e pedir a benção. Respeito com os mais velhos. A benção padrinho e madrinha…filho Deus te abençoe.... A liturgia da igreja. Depois do Concilio Vaticano Segundo [início da década de 1960] a igreja abriu as suas portas com os leigos tendo essa participação ativa na igreja. A missa com o padre voltado para o povo e em português. Antigamente não tinha esse movimento de leigos como tem hoje, dando comunhão. [Antes], eu rezava a missa em latim e de costas para o povo. Aquele respeito na igreja e aquele silêncio.  Naquele tempo era até proibido andar sem batina. Era até uma festa ter uma batina e uma alegria andar de batina. E hoje veja como está...(Se referindo ao padre não usar a batina com frequência no seu dia a dia). Eu sigo com os meus costumes e usando a minha batina. (Seguiu nesse caminho até o seu falecimento em 27 de julho de 2003, aos 96 anos). 

 
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