Estrela da Mogiana

Notícias > Livro Memórias de Jaguariúna

Capítulo 6 - O trabalho de ferreiro nas fazendas

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 04/08/2023 Anizio Geraldo de Aguiar junto com o padre Antonio Joaquim Gomes, Manoel Rodrigues Seixas e o filho Aguinaldo durante o desfile de uma das edições antigas da Cavalaria Antoniana, passando pela rua Maranhão (Acervo Casa da Memória Padre Gomes)A paixão por animais sempre esteve presente na vida de Anizio Geraldo de Aguiar (in memoriam). Ele trabalhou na lavoura, mas depois começou lidar com gado e anos mais tarde seguiu na profissão de ferreiro, sendo bastante procurado pelas fazendas da região. Ele nasceu em Amparo, mas no início da década de 1960 resolveu fixar residência na cidade de Jaguariúna. De uma promessa surgiu a Cavalaria Antoniana, fundada por Anizio e que se tornou uma das festas mais populares da cidade.

 
 
Eu nasci no município de Amparo, 18 de novembro de [19]32. Eu morei no bairro Areia Branca e fui batizado na igreja Santo Antonio. Aí depois, naquela época, eu comprei uma potranca, em Morungaba e era defeituosa. Fiz um pedido pra Nossa Senhora dos Remédios, fica entre Itatiba e Morungaba, Fazenda Pereira, se a égua sarasse que eu ia colocar uma fita da altura da égua, nos pés da santa. Tudo isso aconteceu e fiz isso aí. Fui trabalhar em Louveira e essa égua ficou na fazenda. A fazenda foi vendida e tive que tirar a égua dali. Mandei um compadre meu vender a égua e depois repassava o dinheiro como ele fez. Eu fui pra Louveira, com a garganta amarrada, trabalhando, pensando na Nossa Senhora dos Remédios e não podia cumprir a promessa porque essa égua não estava na minha mão mais. Trabalhei no açougue lá em Louveira com meu cunhado [Vasco de Della Torre]. E lá casei [com Jandyra Della Torre de Aguiar]. E de lá eu vim no Haras São Bento da Cacutá, perto do pedágio [em Valinhos] e depois de lá eu vim no Haras Patente [em Jaguariúna]. Aí um belo dia, eu estabeleci ferrar cavalo aqui em Jaguariúna, acertar casco, aquelas coisas. Depois de 17 anos, que a égua foi vendida lá, que não sei pra onde foi parar, aqui tinha um senhor da Roseira, ele mexia com égua, cavalo, troca de cavalo e tal. Um belo dia passou o trem lotado de cavalos aqui e ele tirou essa égua de dentro do vagão. Aí ele chamou eu pra ferrar essa égua. Fui lá ferrei a égua pra ele, lá na Roseira. Eu tinha marcado ela do lado direito, na época. Na fisionomia era a égua, mas tinha que ter uma certeza da marca, né. Eu vou molhar a cara dessa égua porque as letras aparecem perfeitamente: AGA - Anizio Geraldo de Aguiar, a marca é essa que estava na cara da égua. Descobri a égua aqui em Jaguariúna, que há 17 anos não tinha mais notícia e ela apareceu na minha mão de tanto pensamento na Nossa Senhora. Na Nossa Senhora dos Remédios, eu levei a fita e pus nos pés dela, mas explicando até que eu estou vivo vou cuidar da Cavalaria certinho e se um dia eu não tiver mais aqui vai ficar no nome da família Aguiar. (Desde quando a prefeitura assumiu a organização, os familiares de Anizio vêm colaborando com a realização da festa. Durante um período, ele foi  presidente da comissão da Cavalaria Antoniana e na fase mais recente da festa era presidente de honra).

 
Domador e ferreiro
 
  Anizio ficou conhecido na época pela habilidade em domar cavalos. Ele cuidava dos animais desde escovar, pentear crinas e rabos até realizar  exames de prenhez e aplicação de injeção. Já o segredo do trabalho de ferreiro, de acordo com ele, estava no carinho em tratar com o animal no momento do serviço. Era ainda conhecido, por ter habilidades, para colocar os cascos até nos animais mais bravos.

 
   
  Quando eu saí de Louveira e vim para São Bento, então, já vim pra tomar conta dos animais. Um belo dia apareceu lá na fazenda cinco jeeps da polícia. Tinha ali Sargento Gregório, capitão Paulino e tinha um outro que esqueci o nome dele. Vieram lá pedir pra mim informação que eles tiveram que eu domava bem cavalo e se eu ia domar a tropa da fazenda Remonta, pro Exército apartar briga no campo da Ponte Preta. Eles me levavam e traziam eu lá. Eu amansei lá umas vinte e tantas cabeças de animais. Lotava de polícia olhar eu montar nos animais. Todas fazendas: Morro Preto, Nossa Senhora das Graças, Haras Patente, Nossa Senhora de Lourdes, a Fazenda Atibaia, tinha a Fazenda Saint Cloud, tinha a fazenda Santa Isabel, Baronesa, era tudo freguês meu. Eu ferrava pra esse pessoal. A média minha de ferrar era setenta, oitenta cavalos, por mês. Precisa ter muita prática e eu fazia tudo sozinho. No Haras da Esmeralda, aqui perto de Martim Francisco, Mogi Mirim, eu ia ferrar ali. Eu saía daqui da minha casa [na rua Coronel Amâncio Bueno em frente a Matriz Nova] não tinha condução. A condução era a bicicleta, uma bicicletinha Monark, pequenininha e curtinha. Enchia aquele caninho dela do meio de ferradura, cravo e os apetrechos tudo de ferrar. Saia daqui da minha casa uma hora, uma e pouco [da madrugada] carregado com a bicicletinha, ia embora, atravessava ali no Maluf (Usina em Santo Antonio de Posse) naquele canavial, só marcava a reta do clarão lá adiante, era cana só. E ia empurrando a bicicleta na subida quando chegava na descida no assento já montava e ia embora. Passava atrás do escritório da fazenda, chegava nas cocheiras, já descarregava as ferramentas e já deixava tudo prontinho. Eu ferrava, sabe quantos cavalos [para competição de polo] por dia? 24/25 cavalos no dia. Eu ferrava em Indaiatuba, ferrava na Esmeralda, ferrava em [Mogi] Guaçu, ferrava em Valinhos, ferrava em Amparo, ferrava em Vinhedo, ferrava em Bragança Paulista, eu ferrei muito cavalo graças a Deus.

 
Cavalaria
 
A paixão por animais e uma promessa fizeram com que Anizio fundasse a Cavalaria Antoniana, no ano de 1973. No auge, o desfile chegou contar com diversas atrações, como, Folia de Reis, Congada, Fanfarras, Bandas, Catira, personagens, entre eles, caçadores e mulinha, além de cavalos adestrados e uma grande quantidade de carros de boi, que já chegou atingir em torno de 50. 


 
  Quando eu comecei a Cavalaria Antoniana aqui, que eu fui o fundador dela. Foi assim, eu mudei pra Jaguariúna e tinha aquele pedido da santa lá Nossa Senhora dos Remédios. Fui lá e cumpri a promessa. Quando nós voltamos aqui, chegamos quatro horas da madrugada. Aí eu falei pro pessoal eu vou fazer uma procissão de Santo Antonio, aqui em Jaguariúna, vocês ajudam eu só pra organizar? Vamos começar essa procissão saindo de Nossa Senhora Aparecida (igreja), no bairro de Guedes [de Cima] e vamos terminar aqui na cidade, na frente dessa igreja. (Se refere a Matriz Nova de Santa Maria, que na época era um terreno baldio e ficava em frente da casa de Anizio). No começo encerrava na [Igreja] Centenária e mudou de local porque não tinha mais espaço). O Lebrão [Antonio Aparecido Rodrigues dos Santos] estava comigo. Comecei mexer com a Cavalaria Antoniana. Até nove anos ficou Santo Antonio, depois de nove anos passou Cavalaria Antoniana. O Tonhão do Juba (Antonio Alves da Silva) chegou e falou pra mim assim: Anizio você precisa de alguma coisa? Eu falei preciso. Naquele tempo ninguém falava em cartaz. Seu Antonio, o negócio é o seguinte, precisava arrumar cartaz, como é que eu faço? Antônio falou, Anizio vamos fazer o seguinte: eu vou fazer um cartaz escrito a mão [na cartolina] e eu vou [colocar] no bar São João e [em outros bares]. O Lebrão entrou comigo e fizemos a Cavalaria, tinha fanfarra e lotou de gente. A primeira cavalaria deu em torno de 20 cavalos lá da Nossa Senhora Aparecida vindo pra cá. Quando começou a engrossar o caldo aí eu saía, eu andava 35 cidades na região inteirinha, procurando as prefeituras, convidando os prefeitos, as autoridades de lá em nome do prefeito daqui para eles aparecerem aqui nessa festa, que é uma festa muito boa, bonita, religiosa e coisa e talTinha só três carros de boi, do Anísio Pereira, de Lindóia, os bois pintados. Eu trazia esse pessoal com o maior carinho, com bastante trabalho, mas não sentia canseira. Na época, a Cavalaria Antoniana só tinha o pessoal conhecido. Passava lá na Centenária [Igreja de Santa Maria na Praça Umbelina Bueno] e terminava na frente da Nova [Matriz de Santa Maria], mas não tinha a igreja ainda aqui era um pasto. O Lebrão jogava bola em cima e eu também brincava com ele. O padre [Antonio Joaquim] Gomes sempre rezava missa pra nós. No passar lá embaixo, ele rezava a missa [em frente ao Itaú ou no cinema, atual Teatro Municipal Dona Zenaide]e nós já subia. É uma festa tradicional e religiosa, então nós temos que respeitar o santo. Eu levo muita fé no santo. Tem que respeitar o santo porque é religiosa.

 
Momento engraçado
 
  Durante anos quando esteve à frente do evento, vários momentos engraçados ocorreram entre os participantes. Anizio recorda de uma passagem que envolveu músicos sertanejos da cidade, na fase antiga da festa.

 

   Coisa engraçada. Na nona Cavalaria Antoniana apareceu o seu Antônio Fermino tinha um carro de boi. Ele falou Anísio, eu vou desfilar com meu carro de boi. Ele estava com dois bois chucros no carro e um manso, queriam andar e davam socada no carro. Aí eu falei pro Tonhão Barbosa (músico sertanejo), mostra o que vocês sabem cantar as modas pro pessoal ver. Sobe no carro de boi, vai andando e cantando, ali na Caixa d'Água (Estação de Tratamento de Água Central, na rua Maranhão) quando eu virei as costas do carro de boi, um dos bois deu uma arrancada. Quando ele deu aquela arrancada eu olhei assim pro lado de cá, isso foi interessante, podia ter filmado e passado no Faustão (Programa Domingão do Faustão, que era comandado por Fausto Silva e exibido na Rede Globo). [Foi] viola pra lá, violão pra cá, sanfona.....dei um berro e caiu todo mundo do carro de boi e não aconteceu nada graças a Deus.  
 
Família Anizio
Compartilhe:
Comente: