Estrela da Mogiana

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Capítulo 4 - As histórias e as lendas da Barra

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 02/08/2023 Darcy e Maria do Carmo (Ik) da esquerda para a direita sentados, juntos com os membros da família Machado de Souza, na década de 1940, em frente à sede da Fazenda da Barra, em Guedes (Acervo Casa da Memória Padre Gomes)Uma jovem educadora, de 24 anos de idade, deixou São Paulo para morar na Fazenda da Barra, um local cercado de muitas histórias e lendas, na década de 1940, em Guedes, no distrito de Jaguariúna. A educadora Maria do Carmo Paoliello Machado de Souza, conhecida como Dona Ik (in memoriam), mudou para a fazenda após o casamento com o engenheiro agrônomo e um dos proprietários da Fazenda da Barra, Darcy Machado de Souza, no ano de 1949.

Voltando no tempo, antes de pertencer a família Machado de Souza, a fazenda teve origem na divisão da sesmaria do coronel Luís Antonio Souza e Bernardo Guedes Barreto. Em meados do século XIX, o Barão de Pirapitingui, José Guedes de Souza assume a fazenda da Barra. Com o seu falecimento, o filho José Alves Guedes herdou as terras, em 1897, ficando à frente da propriedade até 1932 quando foi vendida para Joaquim Machado de Souza, sogro de Dona Ik e o sócio Joaquim Santiago.

A Barra contava com pecuária e plantações de café, milho, algodão, mamão, laranja, dentre outras culturas. Quando Dona Ik chegou na fazenda, o marido Darcy já tinha assumido o comando da Barra. No ano de 2008, a propriedade foi adquirida pela Prefeitura de Jaguariúna, e atualmente a casa sede recebe eventos e a visitação de moradores e turistas.
 
 
 
   A área da fazenda quando o meu sogro comprou era perto de [450] alqueires. A fazenda era de sociedade com a nossa família e a família do seu Joaquim Santiago. Quando eu fui morar lá foi em 1949. Quando nós casamos, em 1949, o meu marido já tomava conta da fazenda e produzia café, mas já não estava muito com café tinha passado pra mamão. A produção grande da Barra era mamão. Os sitiantes também porque o café teve uma queda muito grande depois de 29, então, passaram a usar frutas. (A crise de 29 foi marcada pela quebra da bolsa de valores de Nova York, provocando a grande depressão americana. Diante disso, o café brasileiro foi afetado, pois o país era responsável por cerca de 70% do produto comercializado no mundo, sendo que o principal consumidor era os Estados Unidos). Quando o café afundou que teve a crise de 29, meu sogro continuou trabalhando com café, mandava pra Santos, embarcava na estaçãozinha ali perto do sítio do Baldassin e ia pra Santos. Embarcava ali mesmo o café e ele cuidava disso. Ele morreu [no final da década de 1940] e deixou aquela fazenda tão bonita, foi quando o meu marido ficou tomando conta. Teve tuberculose e naquele tempo não tinha cura. Faleceu meu sogro, ficou aquela fazenda enorme. Os filhos todos em faculdade, os mais velhos e o Darcy tinha se formado e como era da minha sogra e do seu Joaquim Santiago, e ele já estava muito velhinho para tomar conta, o que aconteceu? Darcy era engenheiro agrônomo foi morar lá. Aí começou o plantio de laranja, de limão...Os cafezais se transformaram em pomares, plantava-se laranja porque tinha que ter uma renda. A gente vendia muito mamão e laranja depois. O tempo passou e o seu Santiago queria vender a fazenda. Eu me lembro muito bem, agora já é uma parte mais cômica. Seu Santiago tinha uma filha chamada Ilka e passava férias na fazenda e como ele queria vender a fazenda o corretor começou trazer compradores, e eles almoçavam lá. A filha do seu Santiago e eu enquanto eles iam ver as terras, nós ficávamos em casa com as mulheres e nós contavam as histórias de assombrações e as lendas. Nunca mais voltaram e não vinha mais comprador na fazenda. Nós não queríamos vender. Era a parte cômica. E o tempo foi passando. Quando o meu sogro morreu, ele deixou muitas ações valorizadas do Cimento Itaú pra família, então, os filhos e a mulher [Dona Zenaide]se reuniram e compraram a parte do Santiago. A fazenda ficou só dos Machado de Souza. Eu casei e morei seis meses na casa grande até que terminou a construção da minha casa. Tem a casa grande, tem a garagem e depois era a minha casa, agora é um gramado, eles desmancharam por que deu um problema de cupim no telhado. Quando foi do meu sogro, ele ficou muito ligado as famílias de sitiantes. A fazenda era como se fosse a mãe e aqueles sítios em volta, então, a fazenda era a mais importante na região. Dali que saia o café pra Santos, depois começaram a plantar mamão, a fazenda produzia muito. Os sitiantes também começaram a produzir mamão, mandava tudo para o mercado de São Paulo. A fazenda mesmo tinha um caminhão que levava as frutas no mercado e era um trabalho com bastante renda, era bem rentável. Valia a pena.

 
Festas na Barra
 
 Apesar do grande volume de trabalho, a Fazenda da Barra proporcionava momentos de lazer entre os colonos e os moradores do distrito de Jaguary, sendo que muitos fizeram catequese e primeira comunhão na capela Santa Isabel. 


 
  Na Barra, quando eu me casei, na fazenda tem dois barrocões grandes em frente à igreja. Aquele primeiro barracão era um tipo de um depósito, então, colhia-se o arroz ou feijão vamos dizer, era uma safra grande, guardavam um pouco ali até dar o destino. O chão era batido de terra, mas bem batidinho, que formava como um piso e ali eles faziam os bailes. Baile de Aleluia, baile de fim de colheita e o fazendeiro que nesse caso era o meu marido punha um conjuntinho lá tocando e os vizinhos dos sítios da vizinhança, todo mundo ia dançar lá. Naquela época, quando eu me casei foi em 1949 não existia muito divertimento, eram os bailinhos que se fazia. A fazenda tem capela, então, fazia missa, primeira comunhão das crianças, todo ano fazia uma festa e nós fazíamos a reunião das famílias e um café da manhã. O padre Gomes ia lá e fazia missa, a capela chamava Santa Isabel. A vida em fazenda é muito trabalhosa, ela é diferente de uma vida na cidade, mesmo naquele tempo, são 50 anos atrás ou 60, o divertimento deles era muito pouco.

 
Educação
 
Dona Ik se mostrou uma apaixonada pela Educação. No distrito de Jaguariúna começou dar aula numa casa na própria fazenda da Barra. Também foi professora e chegou ser substituta de diretora, no Grupo Escolar da Estação de Guedes, atual Escola Municipal Francisco Xavier Santiago. Depois veio para o Jardim de Infância Oscar de Almeida, que na fase mais recente se transformou em EMEI, mantendo o mesmo nome original, no centro de Jaguariúna. Também ocupou os cargos de Diretora de Assistência Social e Saúde e de Secretária de Educação e Cultura.


 
 Eu sempre gostei de ensinar e dar aula. Tinha primeira, segunda e terceira série numa casinha perto da casa grande [da fazenda] onde eu morava e um dia falei pro Darcy eu vou dar aula. Daí nem um ano depois que eu comecei a trabalhar, virou grupo escolar e criaram a quarta classe, aí tinha diretor até que construíram aquela onde hoje é a Escola Municipal [Francisco Xavier Santiago]. Eu dei aula lá 9 anos. A Fazenda da Barra foi um lugar onde eu estive muito feliz, eu morei lá [14] anos naquele lugar. Quando eu morava lá que eu comecei a trabalhar na escola. Quando ele prestou concurso no Estado, passou, aí nós saímos de lá e mudamos pra Jaguariúna, então, eu transferi pra aquela escola [Jardim da Infância Oscar de Almeida, atual EMEI] e ele pra Casa da Agricultura. A nossa chácara era aqui era só atravessar a rua [José Alves Guedes]já estava no trabalho. Eu estudei normal na Escola Caetano de Campos. Eu não fiz faculdade. O meu pai [Floduardo] era muito culto e eu queria entrar em faculdade, não entrei porque não me preparei. Ele passou na Caetano de Campos e viu a propaganda da matrícula, então, ele chegou filha abriu inscrição pra Escola Normal Caetano de Campos, que é o único instituto de educação do estado, o melhor que tem, você não quer fazer exame lá pra você entrar? Eu falei não quero ser professora primária nunca na minha vida. Ele pegou os meus documentos foi lá e fez uma inscrição. O exame era amanhã, ele falou hoje. Lá fui eu fazer exame e passei. No primeiro ano eu já gostava. Era Instituto de Educação completamente diferente das escolas normais comum. Lá eu fiz curso de professora primária, professora de cegos e pré-primária. Sai com três certificados. Eu tinha tendência pra aquilo eu gostei de ser professora. Eu gosto de pré-escola mais do que primário. Trabalhei 30 anos no estado. A minha cidade de coração é Jaguariúna. Meus filhos nasceram aqui, estudaram aqui e eu dei aula aqui na cidade 18 anos (se referindo ao Jardim da Infância Oscar de Almeida).

 

Lendas
 
  Um lugar que faz a mente viajar pelo tempo através das histórias contadas de assombrações que habitavam na casa sede da fazenda. Essas histórias fazem parte do imaginário dos antigos moradores de Jaguariúna ou realmente aconteceram na casa sede. Essas lendas que marcaram uma vida inteira de antigos moradores, na atualidade, ainda são transmitidas para os mais jovens.


 
  Quando eu me casei eu fui morar na casa da sede, a casa da sede era muito grande e lá tem muitas histórias que contavam que aconteciam lá. Uma das histórias muito comentada é de uma moça que era empregada doméstica e se apaixonou pelo filho do patrão, um Guedes. E essa moça se suicidou por causa dele. Lá na copa da casa grande tem uma mancha perto, a gente tem a colocação da geladeira, perto da geladeira da copa, tem uma mancha escura e eles dizem que ali era o sangue da moça. Isso aí é uma lenda que tem. O piso é de tábuas largas, então manchou e eles falam que ali era o sangue da moça que era apaixonada pelo filho do dono da fazenda, então se é lenda ou realidade a gente não presenciou né...(A tábua que teria a mancha de sangue, infelizmente, não está mais no local). Era um amor impossível porque ela era uma moça da colônia que era empregada doméstica e os donos da fazenda eram muito ricos, tinham outras convivências, então, nunca ela seria namorada dele, então ela se matou ali e tem uma roda grande escura. Lava que lava, até com soda caustica já lavaram e aquilo não sai. Ela se suicidou com tiro.
 Outra lenda que tem lá essa já eu presenciei. A prima do meu marido, ela morava em São Paulo e sempre ela passava férias lá na Fazenda da Barra e ela trazia com ela uma amiga chamada Lúcia que dormia no mesmo quarto. Uma noite, quando foram pro quarto, essa Lúcia viu uma mulher vestida de cor de rosa, sentada no pé da cama dela, então, tem a lenda o quarto da mulher de cor de rosa. É o segundo quarto do corredor da casa grande, então, é conservado a lenda da mulher de cor de rosa. A sala grande que nós chamamos é a parte central da casa, ela é assoalhada com tábuas largas e tem aqueles vãos, então, o som de baixo vem e a gente sempre ouviu falar que se ouvia lá na parte do porão arrastando correntes e eles suponham que eram escravos que haviam morrido ali com sofrimento e eles arrastavam aquelas correntes. Tinha um senhor chamado seu José Valeis, ele tomava conta dos porcos, lá tinha criação de porco. Era marido da cozinheira ele não entrava na casa grande nem que você desse dinheiro pra ele, ele não entrava, tinha medo dessas lendas. Ele ia na cozinha, pegava o prato de comida que a mulher fazia, comia ali fora, mas não entrava na casa grande pra sentar. Morria de medo de entrar na casa grande. Como ele, muitas pessoas que eu conheci. Eu fiquei curiosa [com as lendas]. Eu fiquei seis meses morando na casa grande. Era só eu, meu marido e três empregadas. Nunca tive medo de ir a lugar nenhum. Contavam pra gente porque presenciar eu não presenciei nada. No canto da sala da casa grande, tinha uma rede pra descanso, morava com a gente uma velhinha que a gente chamava de Nona, que era viúva de um colono e ficou morando com a minha sogra. Ela dormia no quarto junto com minha sogra, que é aquele quarto que dá no salão, que tem o escrito (referente a Revolução de 32). Parece que uma noite ela levantou pra ir ao banheiro e a rede fazia nhem nhem, a rede tocava sozinha e não tinha ninguém...então a gente põe como sendo uma coisa mística e chamam de assombração.
 

 
 
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