Estrela da Mogiana

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Capítulo 17 – Infância na fazenda Ipiranga e o caminho a pé até a escola do DER

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 22/08/2023 Isabel Marchesini Corsi, Cristina Marchesini, Laura Marmirolli Marchesini, Therezinha Marchesini, Pedro Marchesini, noivo Edegar Paulucci (Duda), noiva Santina Marchesini, Dona Catarina Murer Marchesini, José Marchesini. Marlene, Pedrinho e Marcos e duas crianças, década de 1970 (Acervo da família de Pedro)A história de Pedro Marchesini começa a ser escrita com a chegada dos avós, Anibal Marchesini e Maria Esmergona, no Brasil, ainda crianças, vindos da Itália. Naquele tempo, uma viagem de navio demorava muitos dias e haviam perigos, sendo que muitos não chegavam aos seus destinos. Eles começaram trabalhar na fazenda Bicudo, em Pedreira, na lavoura de café, em substituição ao trabalho escravo. Pedro, filho de José Marchesini e Catharina Murer Marchesini, foi uma criança que morou em fazenda e sentia de perto as dificuldades para estudar, pois não existia escola na proximidade onde residia.

Quando adulto trabalhou na Companhia Mogiana de Estradas de Ferro seguindo o destino de muitos jaguariuneneses, naquela época. Ele ainda guarda nas memórias o tempo de criança e do trabalho na ferrovia.


 
  O meu avô e minha avó vieram da Itália. O meu avô veio com 10 anos e vieram da família cinco pessoas, desembarcaram em Santos, em maio de 1887. De lá tinham os fazendeiros que procuravam os italianos pra vir trabalhar nas fazendas. O meu bisavô [Angelo Marchesini] que trouxe a família. Uma tia minha não chegou no Brasil, deu problema e faleceu no navio. Ai vieram na fazenda perto de Jaguariúna, fazenda Bicudo e trabalhavam na lavoura de café. Minha avó morava aqui, depois foi pra Cravinhos, era solteira ainda. Meu avô contava que aquele tempo só ia de trem, a condução era difícil, ele disse que foi namorar três vezes e quatro vezes já casou e veio embora. Depois vieram os filhos. Cada um ficou tocando a sua vida. Meu pai [José Marchesini] acabou ficando na região, casou [com Catharina Murer Marchesini] e ficou morando na fazenda Ipiranga, mas primeiro morou num sítio do Sisti. Aqui onde nós estamos [rua Júlio Frank] era tudo pomar e lavoura. Aquele tempo, Jaguariúna, que eu lembro era molecão, [19]43 e 44, só tinha três ruas. Tinha a rua do Gottardo [Alfredo Engler], em frente à igreja [Cândido Bueno] e atrás da igreja [rua Alfredo Bueno]. A estação do trem era a estação velha, lá da Ponte Vermelha [1875]. E o pessoal naquele tempo, a maioria viajava de trem. Aí eu lembro que tinha a fazenda [Santa Úrsula], a Dona Úrsula [Ataliba Nogueira Moraes], fazendeira, ela vinha de trem, depois tinha um trolinho, com roda de ferro, tinha dois cavalos e levava até a fazenda. Depois daqui do Sisti, que eu me lembro, fomos morar na fazenda Ipiranga, tocando lavoura. O pessoal plantava arroz, feijão, café e trabalhava de colono. Naquele tempo se chamava leiteiro, meu pai tralhava na fazenda de tirar leite. 


Escola
 
  Estudar na Jaguariúna do passado, não era uma tarefa fácil como na atualidade, principalmente, para os moradores que residiam na zona rural do distrito. Não havia condução e a única maneira de ir para a escola era seguir o caminho a pé. Pedro Marchesini se recorda que quando morava na Fazenda Ipiranga precisava frequentar uma escola na Roseira de Baixo. E o jeito era preparar as pernas para a caminhada.


 
  Da Ipiranga, eu vinha na escolinha, no DER (Departamento de Estradas de Rodagem). A escolinha era aqui no tronco, na Roseira de Baixo. Ali tinha algumas casas dos funcionários da conservação do DER e tinha uma casa que era a escolinha nossa. Isso foi em 1944. Aquele tempo não tinha asfalto, era tudo pedregulho. Eu fiz até o segundo ano. Eu vinha com os Granchelli, vinha junto, chegava lá no entrocamento, lá em baixo, onde entra pra Duas Marias, juntava toda a meninada e vinha, era a maior alegria todo mundo junto. Nossa professora vinha de Campinas. Esperava a professora na beira da estrada. Mais ou menos, gastava uma hora pra vir todo dia a pé. Às vezes, quando tinha uma tal alpargata, que punha no pé, que era de corda, você andava ela ia abrindo e desfiando. Quando, não dava, vinha descalço. Era uma sacola de alça de pano que trazia os cadernos. Os cadernos ficavam com a orelha virada. Aquele tempo tinha ordem porque a professora dava aula no primeiro ano, segundo ano e terceiro ano. Uma professora só eram três classes. Todo mundo respeitava os professores. Aquele tempo na fazenda, brincava de pega-pega, esconde-esconde, passa anel. Era toda noite. Era até sete da noite. Juntava toda a colônia. Aquele tempo não tinha energia elétrica, então, a noite, quando tinha o luarzão assim pra nós, era divertido. Era tudo unido na colônia, era muita molecada. Saia seis horas para a escola. Voltava meio dia e meio. Comia lá, almoçava. Aí ia ajudar na lavoura, capinar, arrumar, ajeitar, pegar uma água para os pais. Aí ia fazer a lição. O pior era a hora de fazer lição, à noite com a lamparina à querosene. Ficava preto o nariz daquela fumaça, respirando aquela fumaça de querosene. Fazia a lição para poder brincar. Da Ipiranga nós fomos morar na Capitinga, era o sítio do Finotelli, João Finotelli. Aí eu estava lá com 9 pra 10 anos. Fiquei 2 anos sem ir na escola, era longe. Aí mudamos mais próximo, antes de chegar em Guedes era o sítio do Antonio Scaion. Aí eu vinha na escola na Fazenda da Barra. Eu fiz o terceiro ano. Depois trabalhava na lavoura era difícil ir pra Jaguariúna. Em 1951, nós mudamos pra Jaguariúna. Eu fui morar numa casa, em frente ao restaurante Marchesini, na rua Cândido Bueno.

 
Passado
 
   O tempo vai passando, mas Pedro ainda conta com detalhes as suas recordações do tempo de criança, dos momentos de diversão e de como era viver num cenário onde não existia telefone e a comunicação era bastante precária entre os moradores. Também passou por uma situação de muito medo quando viu uma bola de fogo.


 
  Aquele tempo não tinha geladeira. Tinha aquela garrafinha caçulinha, então, comprava uma para cada um, no Natal e dia de ano. Aí ponhava em algum lugar meio úmido pra ficar fresquinha, furava a tampinha com prego e bebia devagarinho para não acabar. A alegria nossa era isso aí. Eu fui conseguir pôr um sapato no meu pé eu tinha 15 para 16 anos. Foi numa festa de São Sebastião. Era janeiro, a festa de São Sebastião. Aí fui de terninho, uma calça de casimira e sapato. Vim lá de Guedes, viemos a pé. Quando eu cheguei aqui o calcanhar formou uma bolha já tinha estourado. Aí tirei o sapato e voltei com ele nas costas. Eu não sei se era assombração, eu sei que eu passei uma vez, morava na fazenda Ipiranga. Minha casa ficava mais ou menos longe da outra casa, mais ou menos uns 500 metros. Estava brincando. Aí fui embora para casa, antes de chegar na entrada da minha casa, tinha uma porteira. Quando eu cheguei passou uma bola, disse que era a mãe-de-ouro, passou uma bola de fogo e fez vhuuuu. Até cai de tanto medo. O nosso divertimento era o parquinho. O parquinho tinha aqueles cavalinhos. Não tinha telefone e era recado. Você vai passar em tal lugar, fala com fulano. E outra coisa, quando morria alguém do pessoal, assim da fazenda, do sítio, não tinha como comunicar o pessoal que faleceu fulano, então, ia de situante em situante, montava a cavalo e mandavam avisar que fulano faleceu. Quantas vezes eu montava no cavalo com 13,14 anos e avisava o pessoal. Quando eu mudei para cá, em 1964, a rua Júlio Frank chegava na linha do trem, não tinha asfalto e era rua sem saída. Tinha um passador lá, aquele gira gira que você entrava lá para você ir na estação lá embaixo.

 
Trabalho
 
 Pedro teve o seu primeiro emprego quando era menor de idade na Cerâmica Santa Maria e chegou até ter carteira de trabalho, mas seguiria carreira mesmo na ferrovia, na Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, onde se aposentou como técnico de via permanente de obra, em 16 de março de 1986.


 
  Eu era menor de idade e trabalhei três anos. Aquele tempo a fábrica era complicada, porque eu queimava a louça, era tudo a lenha. Não tinha nada de polimento. Tinha o forno. No começo era bom, depois que esquentava para queimar a louça ia 240 graus. Eu era o chefe lá, era o forneiro. O que de maior idade ganhava eu ganhava também. Eu tenho minha carteira de menor de idade. Nem um óculo de proteção nem nada. Era o carão lá no fogo. Eu trabalhei quase um ano sem registro e quando chegava o fiscal para ver se tinha alguém lá sem registro, escondia tudo a molecada.
  O Zé Angeloni convidou quer trabalhar na Companhia Mogiana? Isso foi em [19]56. Entrei na turma de topografia. Andamos na linha todinha, fomos fazer o cadastro e medir tudo que tinha em cima da faixa da linha, de Campinas fomos até Araguari, em torno de um ano e pouco. Nossa casa era o vagão. Fui fazer o serviço lá em Brasília. A inauguração da linha de Brasília, eu estive lá, em 70. Em [19]74 eu estava trabalhando no outro serviço, parte mecanizada, que era conservação da linha. Tinha lá o autocontrole que fazia a medição que eu comandava pra ver como estava a conservação da linha. Me destacaram para Registro, em 1975. Se eu quisesse pegar um cargo melhor tem que estudar. Lá em Registro tinha escola à noite, fazia ginásio lá. Tinha dia que chegava no alojamento, nós estávamos alojados lá em Registro, aí chegava, não dava nem tempo de tomar banho, do jeito que eu chegava pegava os meus cadernos e ia para escola. Consegui o diploma. Me deram o cargo de Assistente Técnico de Via Permanente. Naquele tempo nós recebia o pagamento era o trem pagador, saia de Campinas, no começo do mês, lá pro dia 6, dia 8, ia fazendo o pagamento do pessoal de estação em estação. Era um envelopinho vinha o dinheiro. Fazia saída de Campinas até Araguari, fazendo o pagamento e nunca roubaram o trem. Eu tenho [até hoje] o primeiro holerite que eu recebi da Mogiana está guardado no envelopinho.

 
 
 
 
Família de Pedro
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