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Capítulo 22 - Táxi, ambulância ou carro de polícia?

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 27/08/2023 Casal Paschoal Gandolphi e Nilse Cartarozzi Gandolphi com os filhos Luis Claudio e Carlos Roberto (Acervo Casa da Memória Padre Gomes)O trabalho na lavoura de café trouxe para o Brasil muitos imigrantes italianos que contribuíram para o crescimento de diversas cidades brasileiras. Paschoal Gandolphi é um dos moradores antigos de Jaguariúna que tem a sua história ligada à imigração italiana. O seu avô Luis Gandolphi iniciou a vida em Pedreira, mas depois veio residir em Jaguariúna e desde então, a família vem ajudando a construir Jaguariúna.
  Desde criança, Paschoal ajudava os pais na lavoura e na criação de animais. Anos mais tarde, ele se tornou taxista, no distrito de Jaguariúna, num tempo em que esse tipo de condução era utilizado em diversas situações desde casamentos até serviços de ambulância e carro de polícia.
 
  Eu tive bastante contato com a minha avó, Graciosa [Gorgueto Gandolphi]. A minha avó não falava quase nada em brasileiro, só que antigamente, o sotaque italiano era diferente de hoje. Minha avó chegava de noite, ela jantava, sentava lá no quarto com o pito (cigarro)
na boca dava umas fumaçadas e depois ela ia dormir. Ela sempre falava da viagem que veio de navio. Minha avó veio da Itália levou 35 dias. Ela tinha 11 anos. Difícil, se morresse uma pessoa no navio tinha que jogar no mar. Quando desceram em Santos, eles vieram aqui pra Pedreira, inclusive meu pai [João] nasceu em Pedreira.
 Eu não me lembro bem qual é a fazenda que eles ficaram e depois eles mudaram pra cá [Jaguariúna]. Nessa época, eles já compraram uma gleba de terra, na Capotuna. Eu tenho as escrituras de quando eles adquiriram aquele terreno do sítio, em 1912. Ali ficaram até no fim. Eu fui criado ali e eles trabalhavam na lavoura, inclusive, depois compraram mais uma gleba de terra ali no Vargeão. Aí foram adquirindo dinheiro e compraram um sítio no Capitinga.
 Teve uma época triste. De [19]39 ao 45, na Segunda Guerra Mundial, pouco se vendia. Laranja não tinha exportação. Que era nosso forte no sítio, era laranja. Não tinha outra coisa. Única coisa que ele fazia vendia na Estação [de Jaguary], assim dava pra controlar a vida, pra não ficar sem dinheiro de uma vez. Plantava milho, arroz, feijão. Antigamente mais trocava [mercadorias] do que vendia. A carroça trazia  vinte litros de milho e trocava por fubá. Tinha o Antonio Tozzi, que foi o começo [do moinho] e depois veio o Guido Tozzi. (De acordo com dados do site da Casa da Memória Padre Gomes este foi o primeiro Moinho de Beneficiamento de Cereais de Jaguariúna e ficava localizado na Rua Cândido Bueno).  
 
Táxi
 
 Paschoal trabalhou como taxista em Jaguariúna, numa época, em que não existia a facilidade de transporte como na atualidade e as estradas, em sua maioria, eram de terra. Casamentos e até levar a polícia para realizar prisões faziam parte do dia a dia do taxista, que não tinha hora para atender os clientes porque carros eram poucos. Era um tempo em que algumas pessoas chamavam o taxista de chofer de praça.
 
   Eu tirei carta em [19]51. Trabalhei uma temporada na fábrica de sabão e vassoura. Eu trabalhei um ano e meio com meu cunhado [Adriano Vaz Figueira], que era sócio com o Venturini. Inclusive nós fomos duas vezes pro Paraná vender sabão e vassoura. Vitória chamava o sabão. Meu cunhado entrou como sócio do Venturini, que era seu Artur e o filho dele Cândido. Ficava na rua Fernando Costa. Toda semana tinha uma linha pra fazer. Pedreira, Amparo, Socorro...Tinha uma linha Pinhal, São João [da Boa Vista] e Poços de Caldas fazia nessa época. E tinha outra por aqui. Cada semana fazia uma linha.
  Em junho de [19]53 comecei a trabalhar com táxi. Quando eu comecei trabalhar aqui, você sabe quantos carros tinha particular aqui em Jaguariúna? Cinco carros. Tinha o Carlos Turato, João Voltan, Benedito Bergamasco, Alonso [José de Almeida] e Hugo Masotti. Serviço de ambulância não tinha e polícia não tinha eram os carros de táxi que faziam. Isso aqui era tudo terra e as fazendas, todas elas bem habitadas. Na época eram seis [taxistas]. Depois fomos até nove. De nove acabamos ficando em dois. Fiquei eu e o falecido Zé Mantovani. Trabalhamos um ano e meio, quase dois anos, mas só nós dois aqui.
  Nós chegamos fazer aqui no [tempo do]Padre Gomes sete casamentos, num sábado. Saia um entrava outro. Polícia não tinha e [o distrito] não tinha carro porque pertencia a Mogi Mirim. Depois que começou a Prefeitura daqui, mesmo assim, a gente fez muitas viagens para a Prefeitura porque não tinha outra condução. Fazia de tudo. Levava a polícia para prender, pois tinha que ir não podia falar não. Depois ficou mais folgado porque a prefeitura ajudava a polícia. Não via a hora de sair fora da polícia. Era um serviço perigoso, você não sabia o que ia enfrentar. Não tinha hora. A maior parte era de noite. Era sempre eu porque morava aqui no centro. O primeiro carro que eu comecei trabalhar aqui era o Chevrolet 40. Sofri bastante. Trabalhava direto. Fui duas vezes em Campos do Jordão quando a estrada era de terra. Eu levei [uma moça] que estava com tuberculose. Levei ela e depois fui com a família visitar. Tambaú nossa quantas vezes que eu fui lá. Santa Cruz das Palmeiras, Socorro, Lindóia. O mais que a gente fazia era Campinas.
  Tinha um bom relacionamento [nas fazendas]. Santa Úrsula, Nossa Senhora das Graças, Capim Fino, Cafezal, Bela Vista, a gente tinha ordem pra trabalhar com os funcionários, inclusive a gente fazia a viagem e marcava na agenda para entregar para o administrador e receber. Eu trabalhei muito assim. Só tinha asfalto de Campinas a Mogi Mirim. Do resto? Se era com chuva era barro e com sol era pó. Tinha que tomar muito cuidado. Os carros eram muito fortes antigamente por isso que aguentava. Os carros de hoje naquelas estradas não duravam um ano.
  Eu comecei em junho de [19]53 e parei em junho de 82. Graças a Deus eu tive muita proteção. Eu sou muito devoto de Nossa Senhora Aparecida. Graças a Deus nunca me aconteceu nada.
 
Infância e sítio
 
  Quando era criança, Paschoal trabalhava no sítio da família. Apesar de muito trabalho se vivia feliz e com tranquilidade, num tempo em que podia sair de casa sem ter a preocupação com a violência.
 
 A infância nossa era trabalhar. Graças a Deus a gente nunca passou necessidade porque sítio você sabe tinha de tudo, mas tinha muito serviço pra fazer. Com sete, oito anos eu não fazia o que os grandes faziam, mas já ia no meio deles trabalhar. O serviço que sobrava pra mim eu fazia. Não tinha que escolher serviço. Você começava com o clarear do dia e parava quando escurecia. Não é que nem hoje que você começa sete e vai até às cinco. Trabalhava de sol a sol.
 Eu era o mais novo e depois meus irmãos foram saindo [de casa]. Cada um procurou um rumo na vida e eu fiquei sozinho com meu pai. Nós não tínhamos jeito de tocar dois sítios, ele vendeu um sítio [no Vargeão] e nós ficamos com o outro [no Capotuna]. Mesmo assim o serviço era demais. Eu levantava cedo para tirar leite e depois a gente ia trabalhar, começava o serviço de arar terra, gradear, [era usada] grade, uma ferramenta, que a carpideira era uma chapa só e a grade era várias que passavam pela terra, e plantar. E plantava de tudo. A gente criava porcos e criamos muitas abelhas. O sítio ficou com o nome de sítio das Abelhas. Era uma vida sacrificada, mas era feliz e não sabia, porque tinha saúde e comida boa.
  O leite era puro e não tinha geladeira. Só fervia. Eu criei cachorro, criei gato, criei porco na mamadeira, criei bezerro na mamadeira. Esse bezerro ficou tão sem vergonha que aquele tempo o portão, era daquela tramelinha, assim, ele chegava batia o focinho abria o portão e entrava dentro de casa. Sujava tudo. Tirava seis, sete litros todo dia. Levantava cinco horas da manhã já estava claro e emendava o resto do dia até sete horas da noite.
 Tenho saudade da situação que a gente vivia naquela época. Você ia dormir podia deixar tudo aberto, não tinha problema nenhum. Os vizinhos se davam como como se fosse uma família só. Você vivia tranquilo.
 Gostava muito de jogar futebol, em campo de terra. No começo era com bola de meia. Esse era o nosso divertimento. No sítio não tinha nem luz elétrica, era lamparina. Gostava de baile. Naquela época era uma beleza. Antigamente esses dias de Santo Antônio, São João e São Pedro. Sempre tinha festa ou num lugar ou no outro sempre todo ano tinha. Era uma beleza, a turma dançava até de madrugada, ia até clarear o dia. Era divertido naquela época, diversão era baile. Circo, onde tem o dentista armava circo naquela época [na rua Alfredo Bueno], eu morava em frente. 
 
Revolução
 
  O distrito de Jaguariúna foi atingido pelos efeitos da Revolução Constitucionalista de 32, movimento armado ocorrido no estado de São Paulo, iniciado em 9 de julho, que defendia uma nova Constituição para o Brasil e era contra o Governo Provisório de Getúlio Vargas. Essa revolução afetou diversos moradores, com suas famílias, além dos comerciantes do distrito. Cada morador antigo de Jaguariúna tem uma história sobre a Revolução de 32 para contar, como, é o caso de Paschoal.
 
  Nós morávamos lá no sítio [do Capotuna]. Eu tinha quatro anos. Nasci em [19]28, a revolução foi em 32. Nós íamos lá embaixo onde é a Duas Marias hoje. Tinha a carroça puseram as coisas em cima. Fomos embora e quando chegamos na ponte do Camanducaia, os paulistas tinham tacado fogo na ponte. Não pudemos passar. Aí voltamos e paramos ali no sítio do Zaparolli. Ficamos lá até terminar a Revolução. Naquele tempo tinha aquele avião vermelhinho (pertencia as forças do governo), quando passava por cima a turma corria nas trincheiras, de medo de bomba.
  Assim que terminou a revolução, ele [meu pai] achou essas três peças lá onde era a trincheira. Achou esse binóculo de trincheira, achou um capacete com três balas cruzadas e um revólver.
 
 
 
 
 
Família Paschoal Gandolphi
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