Estrela da Mogiana

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Capítulo 24 - Uma vida simples e alegre no sítio

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 29/08/2023 Família Pina na década de 1940: Antônio (Nico), Maria, Tereza, Emília, Margarida Gandolphi Pina (mãe) e José Pina (pai). À frente: Izeta, Paulina, Antonia e Natalina A Jaguariúna de antigamente, que era distrito de Jaguary e pertencia a Mogi Mirim, era cercada de propriedades rurais e muitos moradores antigos colecionam momentos de diversão, lazer e trabalho, vivenciados em sítios e fazendas. Izeta Pina Bordotti, filha de José Pina e Margarida Gandolphi Pina, recorda da época que viveu no sítio da família, que ficava onde atualmente é o bairro 12 de Setembro.
  Os familiares se dedicavam a lavoura, a princípio, como empregados e depois conseguiram adquirir a própria terra. Apesar de ser uma vida de muito trabalho e sacrifícios, Izeta sente saudades e tem muitas recordações de quando podia brincar livremente em contato com a natureza. Naquela época, a maioria das pessoas do distrito vivia na zona rural, num cenário bem diferente da atualidade.
 
    Eles sempre trabalharam na roça, na lavoura. [Morei] onde é a 12 de Setembro, que era o sítio do meu pai. Eu me criei ai e sai daí com 19 anos. Trabalhei na roça bastante tempo depois fomos pra Vila Jaguary (Distrito de Paz). Meu pai vendeu e virou tudo cidade, não tem mais nada ali. Aqui, onde nós estamos [na Rua Manetta – bairro São José], era do meu tio [João], o pai do Paschoal Gandolphi. Essa parte aqui era deles onde estamos nós agora. E aonde é a 12 era do meu pai. Ali, que a gente se criou. Meu pai arrendou o sítio e a gente foi morar em Jaguary (Jaguariúna) ali onde era a Croa (loja de calçados que ficava na Rua Alfredo Bueno, hoje no mesmo local tem outro estabelecimento de sapatos), era a casa do meu pai. Eu morei ali até casar, depois que eu casei, teve um tempo que eu voltei a morar com a minha mãe e depois eu fui pra chácara lá na beira do rio [Jaguari], rua Capitão Ulisses Masotti, em frente ao escadão, hoje Avenida Marginal [Láercio José Gothardo].
    A gente plantava muita verdura porque tinha um sítio de várzea. Ele [meu pai] enchia o carrinho, o cabriolé, de verdura. Ele pescava também, então, o carrinho dele, como a turma falava, tinha de tudo. Se a mãe fazia doce ele levava doce para vender, ele levava o peixe, ele levava verdura, então, a gente sempre tinha dinheiro em casa. Geralmente na roça era assim, na colheita que vendia a produção que recebia o dinheiro, então, ia comprando ficava marcando nas cadernetas antigas o ano todo para depois pagar, mas a gente sempre teve por causa do meu pai vender a verdura na rua. A gente plantava verdura onde está o Vargeão porque o meu pai tinha um pedaço de terra lá também, que era na beira do rio e a várzea tinha muita água muito córrego. Aqui [na 12] era mais café, uva e pomar. 
 
Saudades
 
  Izeta recorda com saudades das festas de final de ano, pois era uma tradição reunir todos os familiares para comemorar essas datas. Após o almoço, em volta da parreira de uva, o momento era de conversar sobre a vida. As brincadeiras na lama e as festas dos santos juninos também cercaram a infância de Izeta.
 
  Mais saudades que eu tenho era da união das pessoas. Quando morava no sítio, no final de ano, nas festas, Natal e Ano Novo, a gente fazia
o almoço. Depois do almoço, atrás de casa tinha uma parreira grande de uva, punha uma mesa e vinha todos os primos. Passava o resto da tarde em casa, jogando baralho, conversando, brincando, todo mundo. Isso marca muito porque hoje em dia não existe mais. Não tem mais união.

 Quando chovia, amassava barro na estrada, que delícia. A gente subia pra cima na estrada e ia andar na lama, descalça brincar. Era uma delícia. Tinha aquele terreiro de café, que era de ladrilho, então, fazia o baile ali, fazia uma barraca, punha os lampiões. Era uma sanfona, um violão ou um pandeiro, a turma passava a noite. Era em final de semana, de sábado, por causa que de domingo o pessoal não tinha que trabalhar.
  Santo Antonio, São João e São Pedro, era um dia na casa do meu pai, outro dia na casa do meu tio Alécio e outro no Murer. Primeiro rezavam o terço e depois dançavam até a madrugada. Convidava todos os vizinhos que vinham para o terço, aí faziam o anisete, era feito com pinga, água e era um extrato de anisete que comprava para fazer.
 
Infância
 
  Uma infância marcada por muita diversão, onde era possível sentir a liberdade para correr, subir nos pés de frutas e criar as próprias brincadeiras. Foi assim, a infância de Izeta, no sítio, com diversão, mas também cercada de muito trabalho, pois desde cedo ajudava os pais. Não existia a violência da atualidade e se vivia com tranquilidade.

  A infância foi gostosa porque na roça, você já viu, a gente tem liberdade. Quando a gente começou a estudar, ia a pé, todos os dias dali da onde é a 12 de Setembro até o grupo velho lá embaixo, perto de onde é o Shopping agora [saída para Pedreira]. A gente ia, o grupinho de meninas e meninos, tudo da região, sempre indo lá pra estudar. A pé, todos os dias, e descalça porque ninguém usava calçado aquele tempo. Quando tinha uma sandália no pé, era uma maravilha, estava importante.
 Quando conseguia um carro de boi pra voltar da escola, era uma bênção porque não precisava vir andando. Era gostoso [andar no carro de boi]. A gente sentava tudo molecada atrás, ele ia na frente, às vezes o coitado tinha um cacho de banana, a gente vinha ‘comendo’ as bananas até em casa, mas era muito gostoso. Naquele tempo não tinha quase nem carro. Era charrete, cabriolé (carruagem pequena de duas rodas e movida por apenas um cavalo), carroça e carro de boi.
  A gente entrava na aula, acho que ao meio dia, uma hora. Ainda ajudava no sítio tratar das galinhas, tratar das criações, antes da gente ir pra escola. Ajudava lavando uma louça, varrendo uma casa, serviço normal que qualquer criança pode fazer, nada abusivo. Aquele tempo não tinha essa que criança não podia trabalhar. Trabalhava todo mundo, mas era gostoso.
  Eu gostava mais de fim de semana que a gente se reunia tudo lá no sítio a meninada da vizinhança e fazia aqueles balanços nos pés de manga e ficava se divertindo o dia todo. As correntes, que usavam pra
fazer as guias pra passar o arado, a carpideira na roça, então, a gente pendurava tudo nos galhos e fazia o balanço com aquilo lá. Quando era na segunda-feira, os adultos tinham que tirar as correntes da mangueira porque a gente deixava tudo lá. [Tinham] aquelas brincadeiras de roda, de pega e pique esconde. Essas brincadeiras assim, não tinham outras coisas.

  Era uma vida normal, a gente trabalhava, chegava fim de semana, de domingo, a gente ia na missa. Uma ficava em casa pra ajudar minha mãe, porque minha mãe nunca teve saúde, então, uma tinha que ficar em casa para fazer o serviço, mas as outras iam com meu pai. Aquele tempo tinha todas as festividades religiosas. A gente ia na procissão e depois ficava passeando na praça em frente à igreja, que era toda arborizada, ficava dando a volta. Ficava passeando na praça. Era uma vida trabalhosa, mas a gente se sentia bem, nunca reclamou da vida que tinha.
 
Casamento
 
   No ano de 1959, Izeta se casou com Irineu Bordotti, que era uma pessoa religiosa e gostava de participar das atividades da igreja. Trabalhou na Companhia Jaguary, numa época que acender as luzes da rua ocorria de maneira manual diante de muitas dificuldades. Também trabalhou em duas cerâmicas na cidade
 
  Ele [Irineu] era uma pessoa religiosa e participou muito das encenações da Semana Santa e fazia o descimento da Cruz. Eu conhecia ele desde criança, porque eu ia para a escola encontrava com ele e nas voltas da praça a gente começou a namorar. [Depois de casado] aí eu mudei lá na cerâmica, pra baixo do cemitério, no terreno do José Theodoro [de Lima]. Ele trabalhava na cerâmica [Santa Cruz no terreno da fazenda que levava o mesmo nome]. Depois eu voltei com a minha mãe um tempo e depois fomos para chácara, lá na beira do rio, ali na companhia, que ele entrou pra trabalhar na Companhia Jaguary de Energia.
  Essa companhia era pequenininha. As luzes da rua não eram automáticas como agora, então, toda tarde, ele pegava o porretinho de bambu e saia com a bicicleta acendendo a luz por toda a cidade. E de manhã, ele saía pra desligar toda a luz. Era ele e o Dominguinhos [Domingos Benedito] que tomavam conta da energia da cidade. Com o jipinho amarelinho, eles iam por tudo quanto era lado, consertando onde dava defeito, onde tinha problema, eles que iam arrumar.
 Era tudo manual, não tinha nada de automático, nada dessas coisas que tem hoje em dia para ligar e desligar, não tinha esse caminhão que sobe lá, não era o bastão na mão, aquele puxa o bambu, para ligar e desligar a força quando precisava. Nas fazendas tinha força que eles tinham que dar manutenção também. Ele trabalhou na cerâmica do José Theodoro, na Cerâmica Santa Maria, depois entrou na companhia e ficou até aposentar.
 Quando fomos morar na chácara, então, eu plantava verduras. Tinha as frutas. Ajudava a cuidar da chácara, criava galinha. A gente criava bastante porco também, lá na chácara, então, a vida era essa, tomar conta da bicharada.
 
Tortéi
 
 Numa época em que não existia televisão e que o rádio existia em poucos lares, os familiares aproveitavam para contar histórias. Nesse contato mais próximo sempre existia uma receita antiga que ainda é lembrada pelos antigos moradores de Jaguariúna e transmitida por gerações.
 
  Um radinho, quando tinha, então, aí era o causo da conversa. Á noite, punha uma lamparina no canto da mesa, uma ficava bordando e uma consertando roupa. Era essa noite até a hora de ir dormir. Conversava bastante, muito mais do que hoje em dia, porque hoje em dia só no celular. E televisão ninguém se fala mais quase. Meu pai gostava de cantar ou então em noite de luar, saía e ia fazer visita para os vizinhos ou ajudar numa tarefa que tivesse, por exemplo, descascar milho, debulhar milho, na época da colheita, e se reunia na casa do vizinho. Era um povo unido.
 Olha, o que é mais especial que a minha mãe fazia e que eu até hoje de vez em quando faço é o Tortéi. É um pastel recheado de abóbora [moranga], que ele é uma massa de macarrão caseira. Todo mundo gosta. É uma massa de macarrão caseira e o recheio cozinha a abóbora, só lava ela, só tira a semente, cozinha ela com casca na água, aí depois tira a polpa, espreme num guardanapo assim para tirar o excesso de água, aí coloca ela numa vasilha põe farinha de rosca, sal, pimenta, açúcar, canela, bastante queijo e casca de limão ralada. Fica um sabor que você não faz ideia. Mistura tudo e recheia os pastéis de abóbora e cozinha em bastante água e tempera com o molho e põe queijo. É uma delícia, em casa todo mundo gosta.
 
 
Família Izeta Pina
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