Estrela da Mogiana

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Capítulo 26 - Um doutor, um Centro de Saúde e uma vida dedicada à comunidade

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 31/08/2023  Doutor Jorge com o filho Carlos Alberto no colo, num momento de descontração. Anos mais tarde, o filho seguiria a mesma profissão do pai: médico (Acervo Muraro)Final da década de 1950, Jaguariúna era uma cidade com poucos recursos na área da saúde. Na rua Alfredo Bueno havia o Centro de Saúde, onde atualmente está instalado o Centro de Especialidades Odontológicas Lázaro Poltronieri. Também existia o Posto de Puericultura Dona Diva Paes de Almeida, no prédio ao lado, que atendia crianças e adolescentes. A cidade contava com duas farmácias: Santa Maria, de Luiz Fernandes Costódio e Walter Ferrari, e a Santana, de Lázaro Souza Martins, o Lazinho. Diante desse cenário chegou na cidade, vindo de Campinas, o clínico geral Jorge Rios Muraro, que se tornou na época o único médico que morava na cidade.
 A paixão por Jaguariúna foi tanta que fixou residência, fez amizades e era chamado pelos moradores de Doutor Jorge. Além de exercer a profissão no Centro de Saúde, ele atendia no seu consultório montado na própria casa, que ficava também na rua Alfredo Bueno. O filho Carlos Alberto Salomão Muraro seguiu os passos do pai na medicina, nas especialidades de Cirurgia Geral e Cirurgia do Aparelho Digestivo. Jaguariúna tinha apenas cinco anos de município emancipado e ele veio suprir a necessidade de ter um médico que morasse na cidade. Ele acabou ficando em atividade por mais de 30 anos em Jaguariúna, no período de 1958 a 1991.
 
 
 
 
   A partir do momento que ele se formou em 1950, na cidade de São Paulo, na Escola Paulista de Medicina, ele iniciou a carreira profissional na cidade de Parapuã. Ficou por alguns anos na cidade de Parapuã e depois foi transferido para Campinas onde ele começou atender no Centro de Saúde, no bairro do Cambuí. Posteriormente, em 1958, ele começou atuar na cidade de Jaguariúna, no Centro de Saúde.
    Jaguariúna, naquela época, praticamente não tinha assistência médica, era uma cidade que estava desprovida de ter um médico que morasse no local. E dali pra frente, ele foi se enraizando com a cidade, aumentou muito o relacionamento dele com as pessoas e foi um médico que teve sempre a prática da medicina muito ligada aquela medicina que hoje é destacada pelos serviços públicos, que é o médico de família, até quando veio a falecer em 1991. Durante todo esse período ele exerceu a medicina aqui na cidade e a partir desse relacionamento, eu não tenho dúvidas, que realmente ele contribuiu muito para a saúde pública da cidade e até hoje ele é lembrado e [tem] um reconhecimento da população, daqueles que viveram naquela época que se relacionaram com ele e foram pacientes dele.
 
Consultório e atendimento em casa
 
  Era um tempo que o atendimento médico ultrapassava o horário normal de expediente e as paredes do consultório, pois muitas vezes, Doutor Jorge visitava os pacientes em suas residências. A medicina não contava com toda a tecnologia que existe na atualidade e os farmacêuticos também contribuíam com a saúde no município. 
 
   Eles [Doutor Jorge e os farmacêuticos] davam toda assistência ao município, seja na zona rural e na área urbana. Ele [Doutor Jorge] particularmente ia assistir o paciente na residência e muitas vezes em sítios, chácaras, fazendas, então, com toda aquela dificuldade, que hoje temos uma medicina com uma vasta tecnologia, e a tecnologia que ele tinha era ligado, principalmente, aos órgãos do sentido dele: o olhar, a percepção do tato, a percepção do olfato, a percepção do ouvido e também logicamente o raciocínio clínico, isso a gente sabe que a medicina de hoje ainda deixou um pouco de lado isso porque veio com uma intensidade muito grande a alta tecnologia dentro da medicina.
  Eu vivenciei e posso falar com muita propriedade toda essa transição, e nisso, a gente sabe que o heroísmo e até a vanguarda que tinha nos clínicos do passado, fazia uma diferença muito grande que hoje com toda tecnologia muitas vezes eles chegavam a um diagnóstico tão rápido e tão preciso sem nada, além de um estetoscópio, um aparelho de pressão, um termômetro e muito raciocínio clínico.
  Tinham alguns exames muito básicos. Os casos que necessitavam de uma atenção maior eles eram encaminhados pra Campinas, a referência de Jaguariúna era Campinas, e eventualmente Mogi Mirim. E ele trabalhou um período em Campinas, ele tinha uma clínica que existe até hoje chama-se Clínica Muraro, na Andrade Neves, trabalhava ele e o irmão dele. A clínica era voltada a duas áreas de atuação na cardiologia e na pneumologia, e foi a primeira clínica de tisiologia da cidade de Campinas e do interior do estado de São Paulo. Tisiologia é uma área de atuação médica ligada a pneumologia que cuidava dos tuberculosos, que foi um grande flagelo na época. 
  Habitualmente tinha os horários de atendimento, que eram os atendimentos seletivos. Ele trabalhava um bom período no Centro de Saúde da cidade e ficava a disposição da população diuturnamente né, seja meia noite seja meio dia, não tinha um horário. A partir do momento que procuravam ele na casa dele, se dispunha a atender seja local ou seja a domicílio.
 
Futebol e pescaria
 
Não era somente trabalho que movimentava a vida de Doutor Jorge, pois ele também gostava de participar de atividades voltadas ao lazer, sendo que o futebol e a pescaria eram dois hobbies de sua preferência.
 
  Fora do contexto de ser médico ele tinha duas grandes predileções. Ele gostava muito de pescar aqui no Jaguari, no Rio Atibaia e no Rio Camanducaia. Ele gostava muito de futebol, tanto que ele era um são-paulino fervoroso e gostava de acompanhar todos os acontecimentos futebolísticos. Além da pesca e futebol, ele tinha um relacionamento muito grande com as pessoas da cidade, indistintamente, ele se relacionava com todas de forma indistinta, independente, de qualquer natureza, de classe social. Uma outra particularidade dele, que isso também me marcou muito, e até acho que eu tenho uma influência disso, ele nunca quis apesar de ter muitas vezes insistentemente ter sido convidado, ele nunca quis se envolver em política, porque tinha um ponto de vista que a política não casava, não iria dar muito certo com o modelo de vida que ele tinha.
 
Exemplo de vida e profissão
  
  Com uma vida dedicada a medicina, Doutor Jorge, deixou vários exemplos como médico e como pessoa. O filho Carlos que seguiu a mesma profissão destaca que o pai fez a diferença em Jaguariúna. Ao longo da carreira, vários atendimentos marcaram Doutor Jorge, em Jaguariúna e que ainda são lembrados pelo filho Carlos.
 
  O maior legado que ele me deu foi o exemplo e o caráter da pessoa dele. Ele tinha uma condução de vida extremamente correto, tinha uma postura muito ética inviolável. E fui influenciado muito positivamente por ele nesse aspecto. E na área profissional eu tenho certeza que ele teve essa influência de ter a importância na visão que se tem do paciente não como um mero usuário de um plano de saúde ou de um atendimento, mas sim como uma pessoa humana que pensa, uma pessoa humana que tem sentimento, uma pessoa humana que tenha dor, que tem problemas de ordem familiar, problemas de ordem social, problemas de toda natureza, esse grande contexto que cerca todo paciente e isto é uma realidade infutável, quer dizer, isso nunca vai modificar. Passou a se perder um pouco no tempo e a gente tem que zelar pra preservar essa visão do paciente, do ser humano. Hoje a medicina ficou muito fragmentada. O especialista de uma área, outro especialista só de pele....
 O maior legado que ele deu foi o exemplo como ser humano e exemplo como um médico que marcou e fez uma diferença numa cidade e numa comunidade. Isso a gente tem essa percepção em todas as conversas que a gente tem com as pessoas mais antigas que já se relacionaram e já conviveram com ele. A gente sabe que houve esse diferencial. Até hoje ainda é uma memória viva da pessoa dele como um profissional que fez diferença.
   Às vezes, ele comentava alguns casos que marcaram ele em vários aspectos, por exemplo, situações assim de extrema de atendimento a vítimas de trauma que o sujeito caia de uma carroça ou era atropelado ele que dava a primeira assistência e ele ia junto, com o paciente na remoção no caso pra Campinas. Ele acompanhava o paciente não desgarrando do paciente, não fazendo só o encaminhamento, mas fazendo participação do transporte do paciente.
  Um caso que marcou bastante uma senhora que estava abrigada embaixo de uma ponte e ia nascer uma criança e ele acabou fazendo o parto debaixo de uma ponte, numa ponte férrea, naquela época essa era uma ponte que ia pro caminho do Dom Bosco. Essa criança não tinha condições nenhuma de higiene e ele acabou fazendo limpeza, levou um galão de água para fazer uma limpeza e nada aconteceu, tudo deu certo. E fora as outras tantas situações que ele participou. A riqueza de vivência que ele teve na área de atenção médica, ele se preocupava muito de dar atenção primária a todos pacientes. Foi uma grande história.
 
Família Muraro
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