Estrela da Mogiana

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Capítulo 27 - Cozinheira, o trabalho na roça e lavar roupa no rio

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 01/09/2023 Maria Juliana ainda guarda com todo carinho a foto tirada quando tinha três anos idade, num estúdio em Campinas (Acervo da família de Juliana)Uma vida cercada de muito trabalho, sacrifícios e conquistas. Desde criança, Maria Juliana dos Santos já percebia a importância de ajudar a família para ter um complemento na renda. Por este motivo deixou os estudos e começou trabalhar com 12 anos de idade. Ela ainda gostava de acompanhar a avó Juliana dos Santos e a mãe Ana Etelvina Silva Santos, no trabalho de lavar roupa no rio, numa época em que não existia outra opção para realizar essa atividade, que acontecia em sua maioria no rio Jaguari, no tempo da Vila Bueno e do distrito de Jaguary.
 Juliana tem relatos que os seus tataravôs e bisavós foram escravizados, mas não tem muitas informações sobre essa época. Ela recorda de uma Jaguariúna do passado, quando a compra de mercadorias ocorria nas vendas de secos e molhados e precisava enfrentar vários desafios no seu dia-a-dia. 
 
  Meu avô paterno [José dos Santos] foi filho de mãe solteira. Eles trabalhavam numa fazenda [em Diamantina] e alguém abusou da minha bisavó Maria Cândida [dos Santos]. Meu avô tinha um olho meio acinzentado, azulado. Meu avô não era negro, ele era um mulato. O pai expulsou e ela veio passando de fazenda em fazenda, foi o que me contaram, até chegar em Jaguariúna, no sítio dos Baldassin. E a minha avó Juliana [por parte de pai], casada com José dos Santos, veio da família do meu biso Thomás Dionísio e de dona Adelina Dionísio. Eles moravam na redondeza, ali na Capotuna. Eles trabalhavam por ali.
 Segundo relatos, os meus tataravós [foram escravizados]. Quando os negros foram libertos deram uma terra pra eles, mas eles não conseguiram fazer dessa terra alguma coisa. Eles trabalhavam para o José Alves Guedes [Fazenda da Barra]. No entanto, quem conseguiu comprar alguma coisa foi meu tio, Deolindo, que comprou o sítio no Capitinga, em Guedes, onde formou a família e nós íamos lá passear de trem e depois venderam para o seu Geraldo Zanelato.
  Minha avó, uma grande cozinheira aqui da cidade, cozinhou em todos os casamentos da família Catão. Ela era uma grande cozinheira e uma grande lavadeira de roupa também. Lavava roupa no rio [Jaguari]. Quando ela saiu do sítio do Catão, na Capotuna, que veio pra cidade, a primeira moradia dela foi ali numa das casas da Estação Velha (Estação de Jaguary – 1875). A única coisa que eu sei que a minha avó Juliana trabalhou um pouco para dona Úrsula [Ataliba Nogueira Moraes], na fazenda Santa Úrsula (antiga fazenda Jaguari) mas ela não gostava muito de trabalhar de empregada, ela preferia trabalhar na roça, então, o trabalho dela foi na roça. Apanhar café, apanhar algodão, ela gostava de laborar como ela falava. Sabia falar em italiano, porque ela conviveu no meio dos italianos. E meu avô sabia falar espanhol.
   Eles gostavam de cuidar da terra, então, eles pegavam o pau de arara, como eles falavam e iam trabalhar. Quando a mamãe [Ana Etelvina Silva Santos] casou em 5 de outubro de 1957, com João dos Santos, aí a minha avó já saiu da [rua Júlia Bueno] e foi morar na Rua Alfredo Bueno, onde hoje é a Opção Jeans, então, ali foi a minha primeira moradia, sai da maternidade e já vim para a Alfredo Bueno.
  Depois eu vim para a rua Júlia Bueno, sempre morando com a minha avó. Lavava roupa no rio e também puxava água de poço, na Júlia Bueno. Ali tinha poço, mas todo mundo era lavadeira de roupa na cidade, então, o poço, dizia ela, que não aguentava toda a família, então, ela preferia lavar roupa no rio. Depois para enxaguar e pôr no varal, ela tirava a água do poço para enxaguar a roupa. Eu saí da Júlia Bueno, final de 1968, e mudei aqui dia 5 de janeiro de 1969 [rua Pará, atual Praça Mogi Mirim, no bairro Dom Bosco] e estou aqui até agora.
 Quando nós mudamos aqui, nós mudamos sem vidro, sem nada, aí deu uma chuva de vento destelhou tudo, molhou tudo o papelão. A janela era amarrada com folha de zinco. Minha mãe queria que eu estudasse, mas eu vi o desespero da minha mãe, foi onde eu fui trabalhar pra ajudar ela. Meu pai [João] trabalhava na Mogiana e era ajudante de topografia.
 
Jaguariúna do passado
 
Juliana recorda de Jaguariúna do passado e conta que naquele tempo o bairro Dom Bosco não tinha a infraestrutura da atualidade, e que tanto a avó quanto a mãe lavavam roupa também no córrego que corta a Praça Mogi Mirim.
 
  Era gostoso. Não tinha supermercado, então, a gente ia na venda. A minha mãe comprou 27 anos na venda do seu Irineu Dal’Corso e a minha avó, mais de 30 anos com o Alfredo Chiavegato aí depois o Adilson deu continuidade. E seu Alfredo me acostumou muito mal. Minha avó era muito honesta para pagar as contas, então, todas as compras que a minha avó fazia ele dava uma lata de leite condensado pra mim.
 Só existia a rua São Paulo no bairro [Dom Bosco] e ninguém queria morar aqui, no início, porque falava que era morro, ‘cabeça do burro’, era o apelido do bairro, então, o pessoal falava que era bairro dos pobres. E na rua, que hoje é Silvia Bueno, nós tínhamos que passar numa pinguela porque sempre existiu esse córrego. Mamãe também lavou roupa aqui (no córrego que passa no meio da Praça Mogi Mirim). Com 4 anos, eu lavava roupa com a minha mãe aqui nesse córrego. Eu sempre gostei de ajudar meus próximos. E sempre fui do lado da minha avó, onde a minha avó ia eu estava atrás. Minha avó não lavava aqui nesse córrego, minha avó lavava na pista de skate, tinha uma mina d’água. Tinha uma bambuira bonita, então, eu ficava um pouco com a minha avó e um pouco com a minha mãe.
 
Trabalho
 
  Era costume iniciar no trabalho ainda criança, como foi o caso de Maria Juliana, que com 12 anos deixou os estudos e foi trabalhar na Indústria e Comércio de Polpas de Frutas Jaguari, de propriedade de Adone Bonetti. Era comum ver os sitiantes, com as carroças puxadas a cavalo, trazerem as goiabas para a indústria. No momento de preparação o cheiro de goiaba invadia as casas de Jaguariúna.
 
  Minha avó trabalhava na roça, de abril a dezembro. Janeiro, ela ia para a fábrica de goiaba, trabalhar com o seu Adone Bonetti, aonde ela era chefe. Arrumava as pessoas para picar goiaba, limpar e fazer aquelas massas. Então começava ali mês de janeiro, fevereiro até o finzinho de março, que terminava toda a safra de goiaba. Depois quando surgiu a fábrica de polpas de banana, aí seu Adone Bonetti, falou já que você é responsável na época da safra da goiaba, então, você também fica responsável na safra da indústria de polpas.
  Vinham os caminhões de Guedes cheios de goiaba e eu trabalhava para escolher as melhores goiabas para fazer o cascão e as outras goiabas eram para fazer a massa. Um dia não tinha ninguém, a gente falava bater caixa - punha as caixas todas enfileiradas batia na água para limpar as goiabas e ia para a esteira pra escolher. A minha avó estava brava porque não tinha goiaba para escolher, não sei o que aconteceu, tinha quebrado a máquina e quando a máquina começou já era horário de café. Eu peguei uma caixa de goiaba e fui batendo, o seu Bonetti apareceu e ficou me observando de longe. Aí ele falou, a Juliana, essa menina tem futuro, ela é esforçada manda ela tirar a carteira profissional.
  Depois trabalhei na fábrica de louça (Cerâmica Santa Maria). Era uma delícia. A gente levava marmita, trocava a marmita, às vezes, quem não tinha mistura ia almoçar sozinho, mas a gente nunca deixava nem se fosse um pedacinho de bife que sobrava no domingo, nós repartíamos, era muito gostoso. Os meninos faziam as xícaras. Aí tinha que levar no sol pra secar. Eu torneava, eu fazia as bordas da xícara. Tinha que colocar no torno e depois com uma lâmina tornear. Depois colocava no estande aí outra pessoa pegava para colar os cabinhos.
 
Infância
 
As brincadeiras de criança eram simples, mas divertidas. De casinha a boneca de milho, era um tempo que não existiam brinquedos modernos, mas Juliana recorda com saudades da infância.
 
  Brincava de boneca, casinha, fazia fogãozinho de tijolo, fazia roupinha de boneca. Eu queria trabalhar junto com a minha avó e não podia, então, ela falava assim, deixa que a vó vai trazer uma boneca para você, aí ela trazia o milho e aí ela fazia boneca de milho pra mim. Dos três anos até os seis anos brincava mesmo. Com sete anos, primeiro ano, dona Aurélia [Turato], segundo ano, dona Aurélia, terceiro ano dona Anita [Anna Calvo de Godoy], quarto ano, dona Anita. Aí quando eu ia para admissão, em 1970, foi onde abandonei tudo para trabalhar.
  Nós tínhamos um rádio vitrola na sala nossa. Chegava depois do almoço a minha avó, a minha mãe, meu pai e meu tio [Rubens], eles dançavam. O meu pai [tocava]cavaquinho e meu tio tirava música na caixa de fósforo, sempre fazia o samba na caixa de fósforos e no prato também. Eu ainda faço a comida de antigamente. Era leitoa bem assada, era aquele frango caipira, aquela macarronada, aquele vinho, aqueles doces. Era assim, a minha mãe era da parte do doce e a minha avó era da parte do salgado.
 Quando ela fazia compra, comprava o toucinho, salgava o toucinho e fazia aquele varal no fogão a lenha, aí ia tirando os pedacinhos para comer como mistura, para eles levar na roça. Nós tínhamos uma lata de 20 litros e guardava ali. Guardava a gordura e os pedaços de carne.
  O que me marcou muito foi assim, antigamente, as mães confiavam muito nas pessoas e já colocavam a gente na igreja para aprender alguma coisa. E a minha mãe me arrumava, esperava as meninas do Marin passar que pegava todo mundo nas casas para levar na cruzadinha infantil (formada em sua maioria por crianças e adolescentes, na faixa etária dos 8 aos 14 anos, a Cruzada Eucarística promovia a comunhão frequente entre os participantes, com o objetivo de acompanhar a formação na vida cristã, no lar e na comunidade), então, isso me marcou e outra coisa também que me marcou foi assim, poderia até andar descalça, mas nunca deixaram, minha mãe sempre me arrumou muito bem arrumada para a época. 
 
 
Família de Maria Juliana
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