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Capítulo 28 - Da Santa Isabel para Jaguariúna

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 02/09/2023 Foto dos pais e irmãos de Ary Franceschini, tirada em 1944 na Fazenda Santa Isabel Jaguary faz parte da história de muitas famílias, que mesmo morando, em outras cidades, já frequentavam o distrito, nas mais diferentes ocasiões, como, em festas, casamentos, missas, escola e na compra de alimentos. A família de Ary Franceschini, residia na fazenda Santa Isabel, em Pedreira, mas tinha fortes laços afetivos com o distrito, atual município de Jaguariúna, pois tinha o costume de visitar o lugarejo, com frequência, inclusive, o casamento de Turno Franceschini e Carolina Vicentini, no ano de 1919, aconteceu no cartório de Capitão Ulisses Masotti, localizado na época, num casarão, na rua Cândido Bueno e na Igreja Centenária de Santa Maria, que na época era Matriz e sediava todas as atividades religiosas do distrito. 

  Turno, pai de Ary, trabalhou como condutor de trole, administrador de fazenda, além disso, tinha a função de inspetor de quarteirão. Ary nasceu na Fazenda Santa Isabel, onde viveu a infância, adolescência e o início da fase adulta, tendo em vista, que no ano de 1958, a família se mudou para Jaguariúna, que havia conseguido a emancipação político-administrativa e se tornado município e independente de Mogi Mirim, em 30 de dezembro de 1953. 
 
  
      Meu pai disse que morou em Valinhos, morou perto de Souzas na fazenda que eles falavam Gabiroba e morou na Santa Isabel, fazenda que eu nasci em 1935. Meu pai era Turno Franceschini. Primeiro turno, segundo turno....é Turno Franceschini (risos) e minha mãe era Carolina Vicentini Franceschini. A Fazenda tinha muito café, tinha aquela máquina para beneficiar tudo, tinha o moinho tocado a água, que tirava água do [rio] Camanducaia e depois voltava para o Camanducaia. Lavoura também de milho e mais ou menos em [19]50 começaram a plantar mamão e aí os meus irmãos compraram caminhão para puxar mamão para São Paulo. Todo dia saia um caminhão.

  Ali tinha 60 famílias na fazenda. 
Quando saímos de lá já estava mais pasto. Meu pai era administrador da fazenda Santa Isabel. Tinha costume de andar com revólver (Smith & Wesson – calibre 32). Ele era inspetor de quarteirão, era um delegado da fazenda. Na região se tivesse algum problema ele procurava resolver numa boa. Meu pai sempre gostou de andar a cavalo. Respeitar o pessoal mais velho e não ficar fazendo conta e não pagar isso me ensinaram. Nada de comprar e não pagar.
 

Caminhão
 
 Ary era jovem quando os pais se mudaram para a cidade de Jaguariúna, e nessa época, já trabalhava como caminhoneiro. Foram 58 anos dedicados a essa profissão, levando mercadorias pelas estradas do Brasil e entre as décadas de 1970 até 2000 foi responsável por fazer a maioria das mudanças dos moradores de Jaguariúna.
 

  Em maio de [19]58 nós mudamos pra cá. Jaguariúna tinha carçado de pedra (se referindo ao calçamento da via pública feito de pedras em algumas ruas) até no primeiro pontilhão, tinha os dois pontilhões. Carçado de pedra até ali. Carçado ali na frente da Matriz Velha (atual Igreja Centenária de Santa Maria), um pedacinho ali do lado da igreja, cada lado tinha um carçado de pedra também e o resto era tudo chão. Quando eu mudei aqui, com um caminhãozinho que meu irmão [Nivaldo] comprou, eu aguava em volta onde é o Amâncio [Bueno] menos onde tinha pedra o resto eu aguava tudo. (Nessa época, o prédio abrigava a Escola Amâncio Bueno e atualmente é sede da Prefeitura de Jaguariúna). 

  Serviço aqui era a coisa mais difícil, nem de servente de pedreiro não tinha. Quando a prefeitura pedregulhava a estrada saia um servicinho. O meu irmão [Jurandyr] entrou na fábrica de louça [Cerâmica Santa Maria]e eu fazia algum bico ali também. Logo meu irmão [Nivaldo] comprou um caminhãozinho pra mim trabalhar. Comecei ir pra São Paulo levar frutas. Na safra ia todo dia pra São Paulo. Ali pro Guedes era só fruta. Onde tem a Capotuna era tudo só fruta. O que tinha bastante naquele tempo era lavoura de mamão, mas tinha manga, abacate e tinha laranja. O forte era mamão.

  Logo que nós mudamos aqui [Jaguariúna] começamos transportar gado. Eu chegava carregar boi daqui pra frente de Recife, eu com o falecido Zé [José] Marchesini. Andava três mil e duzentos quilômetros só pra ir, e aquelas estradas né, não é esse tapetão que tem hoje. E caminhão também lerdo, aqueles Mercedes cara chata andava sessenta, setenta por hora. Levava boi pro Sul, pra Goiás, Mato Grosso, e puxei muito boi. Quando ia pro Nordeste, as vezes, chegava até ficar quinze dias [fora de casa]. Depois arrumava alguma carga para trazer também, por exemplo, de Pernambuco pra Bahia, depois pegava alguma coisa pro Rio [de Janeiro]. Era cansativo, mas valia a pena a gente era novo.
 Era mais tranquilo [dirigir].
Caminhão pesado andava 60 por hora e agora essas carretas andam 120 por hora. Só que aquele tempo não tinha a Avenida Marginal você saía da Anhanguera já entrava pro centro, Avenida São João. Não tinha Marginal do Pinheiros, não tinha Marginal do Tietê.
 

Moradia e comida
 
  Quando o assunto é gastronomia, os descendentes de italianos sempre têm em mente alguma comida que traz recordações do passado. Já a primeira casa de Ary em Jaguariúna foi na rua Cândido Bueno, onde passava um córrego e era próxima do rio Jaguari. Naquele tempo a cidade sofria frequentemente com as enchentes, principalmente, nas proximidades do centro. Depois de passar por três enchentes, Ary optou por mudar de casa e foi residir na rua Alfredo Engler, que pertencia à família. Já no ano de 1974, a família se mudou para a Travessa Dona Ermelinda e até os dias de hoje existem familiares o com sobrenome Franceschini que residem nesse local. 
 

   A italianada gostava muito de polenta. Eu gosto até agora. Polenta com frango, polenta sem frango, polenta frita, eu gosto. Eu largo qualquer comida pra comer [polenta]. Na fazenda não tinha geladeira. De tarde, ela [mãe]cozinhava o feijão todo dia, amassava o feijão e fazia sopa de macarrão. Fazia aquele caldo de feijão e punha alguma coisa dentro uma carne ou uma verdura.
 
Nós moramos ali, em frente ao Bortolettão, nove anos. Tinha uma casa pequena na frente. Nós já estávamos em poucos, dois irmãos, uma irmã, pai e a mãe. Nós fizemos no fundo debaixo da mangueira uma cozinha grande e a gente ficava muito na cozinha. Ali tinha dois dormitórios, um banheiro, sala e cozinha. A casinha era pequena. Depois a enchente tocou nós pra cima [na rua Alfredo Engler]. Fizemos a primeira casa dessa rua [Travessa Dona Ermelinda], vizinha com o prédio da Abigail [Nogueira Moraes Ziggiatti – Vila Bueno].

 

Diversão
 
Apesar de não ter muitas opções de lazer, os moradores se divertiam com as festas religiosas, as atividades promovidas pelo Cine Odeon, conhecido na época como Salão do Roberto Mantovani, que ficava na rua Alfredo Engler e com o movimento de trens na estação de Jaguary, inaugurada em 1875.
 

 O que tinha bastante era bailinho. Aqui o [salão do] Roberto Mantovani já tinha desde o tempo que eu estava na fazenda. Cada quinze dias tinha matinê da meio-dia às quatro e meia. E saindo daí ia todo mundo pra estação ver o trem das quatro. Os trens vinham cheios. O trem era muito usado. Hoje é ônibus e todo mundo tem carro. Naquele tempo era trem. 

    A festa famosa era de São Sebastião. Juntava muita gente. Todo o pessoal do sítio e das fazendas vinha, enchia de gente. Todos os sítios até os vizinhos também vinham da Posse [Santo Antonio de Posse], de Pedreira e o pessoal de Campinas que já estava acostumado. Nós puxávamos bezerro e garrote pra festa, eu e meus irmãos, Nivaldo, Percy. O Padre Gomes tinha muita aceitação porque o povo gostava dele. Na [Fazenda da] Barra tinha baile quase todo mês naquele barracão. Baile assim que você pagava uma taxa para dançar. [Nas fazendas] tinham festas de São Pedro, São João, Santo Antonio. No Coito [Fazenda Santa Francisca do Camanducaia], eles faziam samba.   
 

Estudos
 

Estudar no passado era uma tarefa complicada. Em algumas fazendas era possível estudar nas séries iniciais e o distrito de Jaguary também oferecia escola para os seus moradores e também para aqueles que moravam em lugares mais distantes. Nessa época, Ary morava na Fazenda Santa Isabel. Ele estudou nas fazendas Santa Teresa e Santa Francisca, e na escola Coronel Amâncio Bueno.
 

   Eu fiz o quarto ano aqui em Jaguariúna, no Amâncio. Primeira turma do quarto ano. Eu tinha uma caligrafia que era péssima e fui o segundo melhor do quarto ano. Eu entrei na escola com bastante idade. Eu tirei o diploma com quase 14 anos, era pra mim ter entrando com oito e [me formado] com doze.

  Eu gostava de ir na escola, só que pra nós era muito duro. Um ano eu fui em Santa Teresa [em Pedreira], que era perto quatro quilômetros. Santa Francisca era cinco, eu vim dois anos, mas vinha de a pé. Pra vir e voltar era só 10 quilômetros também. Você trazia o lanchinho de casa porque senão não tinha nada. Aqui em Jaguariúna vinha a cavalo. Na Fazenda Santa Francisca morava um tio meu eu deixava o cavalo e vinha a pé. Entrava às nove e saía a uma.

 Tinha uniforme, mas eram os pais que compravam e não tinha essa moleza de hoje. Aqui na camisa abotoava a gravatinha. O primeiro ano tinha uma listinha, segundo duas e o terceiro [três]. E bolsa pro quarto ano já tinha uma de couro, mas quando estava na fazenda era uma tiracolo de pano que a mãe fazia, de pendurar aqui do lado. Quando vinha no grupo eu tinha keds, era tipo de um tênis [conga e era usada em momentos especiais], era bonitinho até. Na hora do recreio ficava jogando bola, não aqui no grupo, mas nas escolinhas nas fazendas. A maioria não tinha sapato, tudo descalço. Às vezes machucava o dedão, mas já era preparado. 
Lanchinho levava de casa. Levava bolo, levava pão, a minha mãe fazia pão toda semana. Agora quando vinha aqui [em Jaguariúna] ai a gente comprava alguma coisa para comer [na padaria do] Gottardo ou às vezes trazia de casa.
 
Família Ary Franceschini
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