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Memorialista Lauro Navarro e a paixão de escrever sobre Jaguariúna para o jornal da cidade

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 13/09/2022 Lauro Navarro adorava escrever sobre JaguariúnaO memorialista Lauro Navarro escreveu vários textos sobre Jaguariúna, por sete anos consecutivos, nas páginas da Gazeta Regional, o jornal mais antigo da cidade.
 
A jornalista Elaine Mischiatti Ferrari conta que o seu Lauro era amante da leitura literária e científica, sempre rascunhou muitos textos, mas foi a partir da Gazetinha, como o jornal era carinhosamente conhecido, que tomou a coragem de publicá-los, aos 83 anos de idade.
 
“E assim, por sete anos consecutivos, passou a contribuir com textos que narram a história de Jaguariúna, com personagens reais, fatos cotidianos e as transformações vividas pela cidade em seu espaço geográfico através do tempo. Tê-lo como parceiro, como colaborador foi um grande privilégio pela sua sabedoria, bondade e bom humor. Faleceu aos 90 anos de idade, totalmente lúcido e sem sofrimento”, relata Elaine, que foi sócia-proprietária do jornal Gazeta Regional de 1984 a 2000.
 
Quando perguntado sobre o segredo de tanta vitalidade e memória, Lauro Navarro sempre respondia: ‘nunca deixe de pensar, exercite seu cérebro nem que seja com uma continha de matemática”.
 
Nascido em Jaguariúna, em 7 de novembro de 1903, viveu a infância e juventude, na cidade e se mudou após ter concluído a graduação em Farmácia na primeira turma de formandos da Universidade de São Paulo (USP).
 
Morou em Campinas por muitos anos e foi o responsável pelo Setor de Farmácia do Hospital Beneficência Portuguesa. Faleceu em novembro de 1993 aos 90 anos de idade.
 
Imprensa
 
Para Elaine, a imprensa tem papel fundamental na preservação da história. “Acredito que, mesmo que possa ocorrer de forma seletiva, limitada e fragmentada, a utilização da imprensa para registro da memória abre uma porta para o universo cultural e para a construção da história de uma localidade, através de diversos pontos de vista, colaborando com a construção de identidades”, comenta a jornalista.
 
Texto de Lauro Navarro publicado no jornal Gazeta Regional no ano de 1990
 
O Coronel e a Coluna
 
Fatos de real importância se sucederam em nossa região no decorrer do ano de 1889. De acordo com o historiador Rafael Duarte, em Campinas explodia inesperadamente uma terrível epidemia de febre amarela. O mal se irradiou rapidamente ceifando numerosas vidas. A cidade ficou deserta. Os habitantes fugiram espavoridos para fazendas do município, para a capital e outras localidades próximas e Campinas transferiu para esta Vila, fugindo da febre, o Colégio Rosa, do Professor Luiz Felipe da Rosa.
Na época, o empresário Alfredo Engler acabava de construir, na rua do Colégio, denominação que perdurou por muito tempo, até ganhar o seu nome, algumas residências e mais três imponentes prédios para comércio (atualmente, na rua Alfredo Engler, só resta a antiga residência de Oswaldo Carneiro - atual Vila Bueno). Pois foram nesses prédios onde o Colégio Rosa se instalou.
 
Outro fato a ressaltar no decorrer deste mesmo ano foi a construção da velha matriz, pelo Coronel Amâncio Bueno, proprietário e residente na Fazenda Florianópolis (atual Fazenda Serrinha). Era dado o sinal verde para o crescimento da chamada Vila Bueno: levantamento topográfico, demarcação de ruas e quadras, construção de prédios, a localidade começava a ganhar ares de urbanização. Destes antigos prédios só restam dois de esquinas Ruas Cel. Amâncio Bueno com Cândido Bueno (hoje adaptados para o comércio)
 
O levantamento topográfico foi realizado pelo alemão Guilherme Giesbrecht, que em homenagem ao seu país de origem, a Alemanha, deu o nome de Praça Berlim, a uma área localizada entre o Rio Jaguari e Rua Candido Bueno, posteriormente desaparecida. Ao lado da igreja, área central da cidade onde hoje está instalado um estacionamento de veículos e que antes dava espaço à oficina e posto de gasolina dos irmãos Mantovani, foram levantadas residências para os construtores da Igreja, e numa das últimas a ser demolida residiu por muitos anos o casal Giácomo e Mariana Bodine. Neste texto, apontamos algumas das primeiras construções aqui edificadas, onde se acomodaram os primeiros imigrantes e o registro de que nessa mesma época a localidade já contava com os trens da Companhia Mogiana de Campinas e Mogi-Mirim.
 
Na vida cotidiana da localidade, o destaque fica por conta do Coronel Amâncio Bueno, que se encontrava em invejável situação financeira e, sobretudo, tinha consolidado seu prestígio político. Proprietário de quatro fazendas, a projeção, urbanização e formação da Vila Bueno, com demarcação das ruas e praças e a construção de uma imponente e belíssima igreja, formavam um bouquet de realizações que levaram às culminâncias de um cidadão prestante e realizado e que foi titulado a Coronel da Guarda Nacional, alcançando o apogeu na situação de um homem público. Acomodado nesta hierarquia de um patriótico militar, só se apresentava em público ostentando o galardão de Coronel e por estes incontestáveis motivos provocara nos moradores da Vila uma maneira condigna de mostrar-lhe a satisfação, reconhecimento e gravar de modo indelével uma carinhosa lembrança. Assim, reunidos e em unânime acordo, eles planejaram levantar um monumento que perpetuaria na história o nome do homenageado.
 
O local escolhido para a construção foi a praça em frente da igreja, do lado esquerdo, para se levantar um elemento arquitetônico, um obelisco ou coluna, constando acima da base, na parte denominada dado, uma pedra mármore com dois metros aproximadamente incrustada, e esculpida com os seguintes dizeres:
 
Ao Benfeitor
Desta localidade cidadão
Cel. Amâncio Bueno
Em gratidão pela Igreja
De Jaguari que construiu
A sua custa
Seus amigos admiradores
Colonos e agregados
Dedicam esta lembrança
Jaguariúna, 18 de setembro de 1894.
 
Na eternidade do tempo, os anos foram voando. O prestígio do Coronel entrou em declínio. Sua vida familiar havia sido marcada por uma precoce viuvez e problemas da estabilidade se agravaram emocionalmente em consequência de um concubinato condenado pela sociedade.
 
O seu patrimônio foi reduzido. Duas fazendas foram alienadas. A terceira doada à sua filha Júlia que tomou esse mesmo nome. Paulatinamente, entre os moradores da Vila foi aumentando o número de descontentes. A Fazenda Florianópolis tornou-se reduto militarizado e a guarda do Coronel, formada de capangas, foi reforçada.
 
Em atitudes e gestos provocantes esse grupo de guarda costas, talvez sem anuência do Coronel, fazia incursões a Vila armados de carabinas e a cavalo galopavam pelas ruas. Os moradores assustados e amedrontados recolhiam-se às suas casas fechando portas e janelas. A prepotência, perseguições, arbitrariedades, foram motivos para o aparecimento de uma oposição política e pessoal ao Coronel.
 
Do desprezo e ódio gera os sentimentos de vingança. Continuou a corrida do tempo. Estamos aproximadamente entre 1907 a 1908. Certa noite, quieta e silenciosa, já madrugada, forte estrondo foi ouvido, acompanhado de tronitroante despencar. A coluna solidamente fixada foi ao chão. Os moradores assustados julgavam estar chegando ao fim do mundo. Inimigos do Coronel dinamitaram a coluna.
 
Quais os motivos levados a consumação de tão ultrajante vingança?
Por que a destruição de um bem público incorporado ao patrimônio do povo?
 
Sem elemento para julgar ficamos a margem de qualquer facção, condenado a exacerbada vingança.
 
A esse ignominioso insulto público ao Coronel os autores até hoje não foram identificados. Passados alguns anos formou-se uma comissão de moradores e amigos do Coronel a fim de tomar adesões e arrecadar fundos, a fim de adquirir uma lápide a ser colocada no largo da Igreja com os mesmos dizeres da primitiva quebrada. Sua iniciativa até agora não foi terminada, embora duas lápides já tiveram sido feitas.
 
A comissão promotora foi composta pelos seguintes cidadãos: Leone Franceschine, Luiz Guaraldo, Jorge Curi, João Leite Penteado, Milton Guilherminetti e José Bonifácio dos Santos Cruz. Na lista de adesões, contém alguns nomes ilegíveis e observado que nem todos pagaram. Subscreveram: Juzzara João, Vitório Bufalo, Irineu Franceschine, João Ferrari, Irineu Pires da Mota, Vicente Corovini, José Pires, Feliciano Pompeu, Afonso Prado, João Batista dos Santos, Gabriel Sayad, Euclides dos Santos Carvalho, Antônio Galo, Fortunato Chiavegato, Genovez Giovani, José Victor Massaine, Moyses Turato, Alfredo Campos, Benedito Silveira Cruz, João Basse, Caetano Corsi, Alberto Bergamine, Edoardo Pestana, Lazaro Leite da Silva, Primo Gobbi, Guido Colombine, Ulisses Mazotti, Manuel Dias, Antônio Miquiline, Joaquim de Oliveira, Joaquim Porello, Victorio Rodrigues, Bibiano Jasso, Fioravante Beltrame, João Bueno, Julio Ceppoto, Luiz J. Barreto, José Rosa Junior, Barão de Ataliba Nogueira, Alfredo Silva Bueno.
 
Era do seguinte teor o manifesto:
 
No judicioso intuito de querer patentear ao preclaro fundador desta Vila, Sr. Coronel Amâncio Bueno, a inegável gratidão do povo pelos inestimáveis serviços que dele há recebido, constituiu-se a comissão infra-assinado para angariar donativos que serão revertidos na compra de uma lápide que será reposta no largo da Igreja com os nomes dísticos da primitiva. Revestindo-se de caráter inteiramente popular a homenagem que se vai levar a efeito, a comissão conta com o concurso do povo e antecipa os seus perduráveis agradecimentos.
 
Jaguari XXIII - Janeiro - 1909
 
Lauro Navarro - Setembro de 1990
 
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