Memórias de Jaguariúna

Capítulo 5 - Trabalhando e estudando com os filhos do Barão de Guedes

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 03/08/2023Festa do casamento de Antonio Pinto Catão e Mariana Queiroz Pinto Catão no Sítio Santa Cruz, no bairro Capotuna, década de 1920 (Acervo Casa da Memória Padre Gomes)Após uma viagem de 40 dias de navio, o imigrante português Antonio Pinto Catão, que na época tinha 11 anos de idade, chegou ao Brasil com a família, em 1912. A família construiu parte da sua história trabalhando na Fazenda da Barra, no tempo que a propriedade era comandada por José Alves Guedes, filho de José Guedes de Souza, o Barão de Pirapitingui.

O tempo foi passando e Antonio se casou com Mariana Queiroz, no ano de 1924, então, resolveu sair da Fazenda da Barra para morar no sítio Santa Cruz, que pertencia aos sogros Carmem e Manoel Queiroz, no Capotuna.

Chegou um momento em que a Fazenda da Barra passou a vender parte de suas terras e foram surgindo os sítios comprados pelos imigrantes. Foi quando Antonio adquiriu as suas próprias terras. Para a filha Maria Pinto Catão Bonini a fazenda foi importante na vida dos imigrantes, que deixaram os seus países em busca de uma vida melhor no Brasil. 
 
 
 
   Vieram de Portugal meu avô [José Pinto Catão], minha avó [Angelina Rosa] e mais oito filhos. Aí no porto [de Santos] já tinha fazendeiro esperando eles pra colher café porque nessa época já tinha libertado os escravos (atualmente usa o termo negros escravizados para se referir aos escravos), então, precisava de mão de obra. Eles souberam que a Fazenda da Barra estava precisando de funcionários pra colher café. E eles vieram pra Fazenda na Barra. Aí meu pai trabalhava na sede e os irmãos dele e os meus avós trabalhavam na lavoura. Ficaram morando na Fazenda da Barra e ali plantavam café, cana e cereais. Tinham muitos colonos nas casas. O meu pai, então, trabalhava na fazenda pra ajudar cuidar dos animais e ele contava que quando era sábado, o Alfredo mais o José, o Zezinho, já mandavam providenciar os cavalos pra ir passear a noite. E o meu pai também estava no meio deles, por isso, aprendeu muita coisa com os fazendeiros. Meu pai foi estudar com os filhos do Barão e era uma pessoa muito inteligente. Ele gostava muito deles e ficaram uns anos ali. Ensinavam muitas coisas pra ele, então, foi aprendendo e também adquiriu boa experiência na agricultura. Ele trabalhava em serviços gerais, o que precisasse [fazer] na fazenda, já os meus tios e meus avós eram da terra, eles plantavam e colhiam café. Depois meus tios e tias foram casando e aí meus avós ficaram só, foram morar com uma filha e saíram da fazenda. Meu pai ficou até casar. Ele casou em [19]24. Depois que eles casaram ele foi morar no sítio dos meus avós, que também foi terra que era da fazenda. Foi morar lá, mas ele quis ter as terras dele e comprou lá no Bom Jardim (era sítio e não existia o bairro naquela época). [Era] terra da fazenda porque o Barão estava loteando e ele comprou. Eu tenho escrituras das terras que ele comprou e ficou morando lá um tempo mas depois ele achava muito difícil pras crianças vim pra escola né, tudo sem conforto lá, aí ele veio aqui pro Capotuna.Era muito grande a fazenda e fazia divisa com a Fazenda Florianópolis também. Eu nasci no sítio que ele comprou da Barra, o sítio Bom Jardim. Lá eu acho que nasceu seis irmãos meus. Eu fico feliz porque eles conseguiram progredir, mas trabalhava muito mesmo. Ás vezes meu pai contava e eu ficava muito triste porque cortava com o machado a lenha, carpir era enxada, pra fazer as plantações era tudo arado com burro, não tinha trator. Era tudo na mão, tudo na mão. Colher café, hoje é uma maravilha tem colheitadeira de café e de algodão. Colher café, tudo na mão. O sol nascia eles iam e o sol escondia eles estavam trabalhando. Trabalhava muito.

 
Recordações
 
  A Fazenda da Barra fez parte da vida da família de Maria Catão, em diversos momentos. O pai, por exemplo, chegou fazer primeira comunhão na capela da fazenda e ela ainda guarda com carinho o certificado. E ainda se recorda do tempo de criança, quando os brinquedos eram feitos de maneira artesanal, as brincadeiras eram simples, mas a criançada se divertia com o pouco que era oferecido.  


 
  O meu pai fez a Primeira Eucaristia lá na Fazenda da Barra, na capela Santa Isabel, em 1918. Ele fez primeira comunhão já era mocinho. Faz mais de cem anos que eu tenho esse certificado da primeira comunhão dele lá na capela de Santa Isabel da Fazenda da Barra. Eu tinha a minha tia, que chamava tia Marieta, ela era copeira na fazenda, era muito estimada lá na fazenda. Ela trabalhou muitos anos e ela contava que eles eram muito bons. Não tinha diferença no tratamento. Eles plantavam muita cana pra fazer açúcar, tinha muito gado e fornecia leite pros colonos. Teve uma ocasião que deu um problema nas vacas leiteiras e ficaram sem leite, então, a dona Siomara [Penteado Guedes, mulher do José Alves Guedes] conversou com a minha avó [Carmem] que não podia mais tirar o leite porque estava com problemas. E a minha avó forneceu todo o leite até as vacas deles sararem. Forneceu leite para as crianças da fazenda e depois por gratidão, porque minha avó não cobrava leite, ela foi na França e trouxe aquele relógio ali (relógio é guardado por Maria até os dias de hoje). E quando minha mãe casou a Dona Siomara trouxe pra minha mãe aquela sopeira. (Também guarda com carinho até os dias atuais). Ela deu de presente de casamento. Minha mãe casou em 24 de janeiro de 1924. Quanta gente trabalhou ali e depois ainda comprou pedaços de terra da fazenda. Muitas lembranças boas [da infância] porque não eram brinquedos comprados. A gente tinha carrinho, mas tudo feito artesanal. Tinha carrinho de rolimã pros meninos e já as meninas eram bonecas feitas de pano, brincava de casinha. Não comprava brinquedos, era mesmo tudo caro e nem tinha os brinquedos que tem hoje. Brincava de balança. E a gente morava no sítio, tinha medo também de ficar saindo, então, era mais fazer desenhos, brincar de escolinha e os meninos dos colonos vinha lá e a gente brincava de professora, era assim muito diferente de hoje. Apesar de não ter o conforto que temos hoje eu ainda tenho saudades. Era tudo amigo do outro. Quando fazia um doce já vinha trazendo o doce pro outro. Era uma união. Lá no Bom Jardim, eu vim de lá com seis meses, então, não cheguei ficar muito lá. Tenho saudade do sítio em que morei no Capotuna. Eu ainda lembro, eu era menina ainda, perguntei para o meu pai [porque] pra entrar no sítio tirava o chapéu. E eu perguntei porque o homem tirou o chapéu. Ele disse que é sinal de respeito. Sinto saudades. Porque naquela época a casa era cheia. Cheia de visitas.

 
Parteira
 
  Voltando no tempo é possível imaginar uma Jaguariúna, onde não tinha nem atendimento médico e que os partos eram realizados em casa, através do trabalho das parteiras. Elas contribuíram muito para os nascimentos de muitos dos antigos moradores do distrito. A avó de Maria Catão, Carmem e a mãe Mariana tinham esse dom de trazer ao mundo os recém-nascidos.


 
  Minha mãe [Mariana], então, na minha casa era uma farmácia, minha mãe era muito piedosa. Ela dava injeção nas pessoas que vinham lá, as vezes estava com o pé machucado, ela fazia curativo e ela era uma enfermeira e era parteira. Fazia o parto da criançada. Com 14 anos, ela fez um parto porque minha avó tinha um parto pra fazer. Vieram buscar minha avó que tinha outro, imagina as duas bebês iam nascer no mesmo dia. E minha avó tinha ido já. O marido da gestante veio lá pra ver se a minha avó ia lá fazer o parto. Ela não está aqui, mas o senhor quer eu vou minha mãe me ensinou. E fez o parto com 14 anos. Depois minha avó foi ver como estava o serviço. A minha mãe fez parto até a idade de 70 anos. Tem muitos netos que ela fez parto. Pra ir no hospital era só em Mogi Mirim, então, era muito longe. 

 
Mulher tirando carta
 
  Não existia a tecnologia da atualidade, e em determinadas épocas, nem televisão e rádio, mas havia mais união entre as pessoas e existia o hábito de conversar com os familiares e com os vizinhos, com frequência. O transporte era precário e na maioria das vezes era a pé ou de charrete. Um fato ficou marcado na vida de Maria Catão, quando ela e Dona Ik, foram as primeiras mulheres a tirarem carta no distrito de Jaguariúna.


 
   Se reunia pra conversar, principalmente à tarde. O pessoal vinha do trabalho e as vezes a gente ia na casa dos amigos, dos colonos, bater papo. Sentava, ali na escada da casa, não entrava e ficava batendo papo até umas horas e depois ia embora. Os vizinhos também lá do meu sítio, vinham conversar com meu pai porque era uma pessoa muito inteligente e ele tinha experiência pra passar e estava sempre dando ideias. Tinham até pessoas que não conheciam religião e o meu pai dava catecismo para essas pessoas adultas. Até hoje encontro pessoas, olha, aprendi religião com seu pai. Fico emocionada. Até tinha missa, o padre [Antonio Joaquim] Gomes rezava lá onde eu morei [no Capotuna], o bispo Dom Gilberto [Pereira Lopes]veio lá também rezou missa, era uma beleza. Quando eu passo lá tantas lembranças. Olha, a princípio era de charrete. Depois o meu pai comprou um caminhão, então, ele chegava no domingo já avisava o povo: amanhã vamos à missa. E lotava o caminhão de gente e trazia pra missa.  Depois ele comprou o carro e eu também tirei carta de motorista. Eu e a Dona Ik éramos as primeiras motoristas da cidade. Eu tirei carta em 1966. Era só eu e a Dona Ik que dirigia carro aqui na cidade, de mulher. Naquela época Jaguariúna era muito diferente de hoje. A cidade cresceu muito, hoje você sai pra rua não conhece mais ninguém e aqueles tempos atrás, você vinha na cidade não podia marcar hora de voltar, porque encontrava um, encontrava outro, ficava batendo papo. Era gostoso, tudo conhecido. Era uma família. Naquela época, a missa terminava ali fora porque o pessoal parava para conversar. Muitas saudades.
 

 
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