Memórias de Jaguariúna

Capítulo 16 - Um ferroviário e a arte em trilhos

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 21/08/2023Pedro Abrucês com os três filhos: Adalberto José, Adilson José e Almir José, e a esposa Therezinha Silva (Acervo Casa da Memória Padre Gomes)O ferroviário Pedro Abrucês ficou conhecido pela sua genialidade em pegar trilhos ferroviários e transforma-los em obras de arte. Ele era um apaixonado pela ferrovia e pela preservação do patrimônio histórico, e deixou um legado para as futuras gerações. Esse trabalho está espalhado pela cidade, como, na entrada do Parque Santa Maria, em várias placas de trânsito e na Ponte Vermelha de 1875, que tem o seu nome.

 O filho Adilson José Abrucez acompanhou de perto a trajetória do pai tanto na vida profissional quanto na política e nos estudos. Eles chegaram até dividir a mesma sala de aula, quando estudaram juntos, de 1966 a 1969, na Escola Coronel Amâncio Bueno, no prédio onde atualmente é utilizado como sede da Prefeitura. O estudo e a política fizeram com que os laços afetivos se fortalecessem entre os dois. Adilson lembra de como o pai era determinado diante de um projeto e como era dedicado, principalmente, quando resolveu voltar a estudar já adulto, mesmo trabalhando na ferrovia. 



 
 O seu Pedro era muito focado e muito inteligente. Você pedia uma coisa pra ele, virava obrigação no primeiro momento. E por ele ser assim, eu dei o apelido nele daquele rojão Caramuru porque depois que você acendeu ele não tem controle, não tem mais o que faça ele parar. E meu pai era a mesma coisa, você pedia pra ele algum projeto, alguma ideia, ele no mesmo momento saia desenvolvendo e já acendia os fogos Caramuru, então, eu brincava com ele sobre isso. A infância nossa com meu pai, a minha principalmente, era conturbada, eu era um filho agitado e ele era um pai que gostava tudo correto e certinho. Nós começamos a ter uma interação, que foi cada dia aumentando mais, a partir dos vinte e poucos anos, e aí nós começamos interagir e se dar muito bem porque também a gente interagiu na parte política. Ele sempre foi político e eu gostava da participação política dele. Acabei participando como presidente do partido do MDB (partido do Movimento Democrático Brasileiro), ele era do MDB, então, a gente acabava tendo essa convivência política. Dali só foi aprimorando e foi assim, uma relação pai e filho, maravilhosa. Não tinha mais atrito era só compreensão. A formação dele foi uma formação muito difícil porque ele fez até o terceiro ano do grupo, que aquela época era quase padrão, já sabia ler e escrever, não precisava mais ir pra escola. Depois, na década de [19]60, ele fez Madureza para tirar o diploma do grupo (Curso de Educação de Jovens e Adultos). Ele fez uns exames do Estado. Quem deu aula pra ele particular foi o professor Maurício Hossri. Ele tirou o diploma do grupo. Depois entrou no ginásio comigo, pai e filho, quatro anos nós estudamos juntos na mesma sala de aula, [na escola Coronel Amâncio Bueno]. Eu não era santo e meu pai dentro da sala de aula, imagina né, não podia matar aula, não podia colar e não podia aprontar. A única vantagem que o diretor não precisava mandar cartinha pro pai. Ele se formou no ginásio e chegou querer fazer o colegial, mas ele trabalhava. Trabalhar no ginásio já era puxado pra ele, pro colegial foi mais puxado ainda. Aí ele desistiu, mas ele estudava e lia muito. Além de ler livros históricos, muita informação, o que ele mais gostava era livro técnico de engenharia. Dali foi só se desenvolvendo. Mas tem um episódio que ele chegava sempre atrasado, de Campinas, do serviço por causa do ônibus, por causa do transporte público Ele sempre chegava quase uma aula atrasada no ginásio. A diretoria e os professores faziam um pouco de vista grossa devido à idade dele, acho que já tinha mais de quarenta anos, mas chegou um dia ele tinha que apresentar um trabalho artístico, aula de Artes. E ele estava fazendo um espelhinho todo de madeirinha, com recorte, e ele não tinha tempo, então, ele estava atrasado. E o último dia pra entregar era aquele dia e ele vinha com aquele espelhinho de Campinas. O professor chamava o aluno pelo número e pedia o trabalho pra ele dar nota. E quem estava na mesma sala de aula conosco era o José Arruda, um amigo nosso, vizinho nosso. E ele estava fazendo o mesmo espelho que o meu pai estava fazendo de trabalho, e o José Arruda passou, recebeu a nota e quando chegou a vez do meu pai, era o último dia, eu pedi emprestado o espelho do Zé Arruda e entreguei. Meu pai mandou entregar, isso por conta minha. O professor olhou tudo e aí ele descobriu e deu zero pra mim e deu zero pro meu pai, mas depois foi superado e meu pai chegou, entregou o trabalho dele e o professor perdoou. Teve um episódio também. Tinha uma prova de matemática e eu gostava de matemática. Meu pai apesar de ser inteligente não tinha tempo de estudar. Fiz a prova rapidinho e eu vi que ele estava com dificuldade, e conforme o professor passava eu pedia a questão e ele passava o sinal qual era a questão, passei num papelzinho e joguei pra ele, mas ele era aquele homem que não sabia fazer nada errado. Jogou pra cima, bateu a cara na carteira e o professor pegou ele com a cola, e deu zero pra nós dois, mas depois o professor deu outra prova e ele passou bem. Tinha essas coisas de pai e filho. Foi uma coisa pitoresca pra ele, pra mim e pra cidade, que não tinha esse negócio de pai e filho estudar junto. Ele tinha uma facilidade de ter amizades com todas as gerações, com as pessoas bem mais velhas e com as crianças. Ele participava das festas e casamento caipira, desfile de 7 de Setembro, teatrinho na escola, ele participava de tudo. Ele era meio artístico. Desde música, teatro, ele participava de tudo. Ele pegava uma poesia e fazia uma paródia da poesia engraçada, ele pegava uma música fazia uma paródia engraçada. Ele tinha muito humor. Ele era a parte gostosa da vida, a parte disciplinada da vida, a parte financeira muito correta e a parte política muito ética.

 

Política
 
 Pedro Abrucês foi vereador por três mandatos (1955 a 1958, 1959 a 1962 e 1963 a 1966), além disso, foi vice-prefeito de 1989 a 1992. Se tornou Diretor de Obras, em 1983, ficando no cargo por seis anos e até o ano de 2000 foi Secretário de Meio Ambiente e Preservação do Patrimônio.


 
 Ele conta que quando foi candidato a vereador a primeira vez, foi convidado por uma pessoa na época e como ele era ferroviário e tinha essa ligação muito grande com as pessoas. Por exemplo, pessoas que estavam em Ribeirão Preto queria vir pra Campinas, ele sabia de uma vaga e escrevia uma carta pra superintendência pedindo a transferência e com isso, ele foi fazendo muitas amizades. E Jaguariúna tinha muitos ferroviários e ele acabou sendo eleito. E aí aquele espírito dele de guerreiro, de briguento, de pôr as ideias dele em prática, não se submeter muitas vezes a um conchavo, então, acabou sendo eleito três vezes vereador, na sequência. Não foi mais porque não quis e continuou ligado na política, na época era o MDB, que fazia oposição à ditadura na época. Ele ficava nervoso, eu lembro, era criança, ele vinha da sessão da Câmara, ele vinha nervoso, irritado, ele ficava abalado e era muito intenso. Eu sempre falo, que a palavra que pode resumir meu pai é intensidade, tudo era muito intenso pra ele, qualquer coisa era intenso, então, ele se desgastava muito. Assim, ele foi na Prefeitura e na ferrovia, sempre muito correto. Ele preferia se afastar de alguma coisa do que mudar a linha de pensamento dele. Naquela época não tinha salário, não tinha nenhuma remuneração, nada, era só o desgaste mesmo. Depois juntando com o Laércio [José Gothardo], Tarcísio [Cleto Chiavegato], o Milo Bergamasco [Emílio Bergamasco Filho] e Timóteo Barreiro [Filho]fizeram essa frente e acabaram assumindo o poder, e aí ele já virou secretário, não teve mais jeito. Acendeu o rojão. (Essa citação faz referência a eleição do início da década de 1980, quando Laércio assumiu a Prefeitura de Jaguariúna, no ano de 1983, tendo o Tarcísio como vice-prefeito). 

 
Apaixonado pela ferrovia
 
 Pedro Abrucês era um apaixonado pela ferrovia e pela preservação do patrimônio histórico. Tem vários projetos com trilhos espalhados pela cidade e ainda escreveu o livro Reminiscências de Pedro Abrucês. Ele começou na Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, em 15 de abril de 1941. Foram 42 anos dedicados a profissão de ferroviário.


 
  Ele começou muito cedo na ferrovia. Ele era irmão de ferroviário, filho de ferroviário, cunhado de ferroviários, então, aqui era tudo ferroviário.  Ele começou trabalhando na ferrovia, no Triângulo Mineiro, e ele sempre estava um passo à frente, se ele era um contínuo ele já estava fazendo serviço de escriturário e assim ele era, foi pegando muita amizade. Os ferroviários era uma família. Tanto que quem morasse em Campinas, Aguaí, Ribeirão Preto era uma família. Ele conheceu todos os meandros da ferrovia, da parte de infraestrutura, da parte burocrática e a parte histórica dela também. Ele pegou muita experiência em ferrovia e desenvolveu depois na parte turística e na parte artística. Eu posso falar com conhecimento, como suspeito porque sou filho, mas com conhecimento. Tudo que ele ia fazer era muito técnico. Ele estudava. Ele conviveu muito com engenheiros da ferrovia e teve muita amizade com eles, então, era uma troca muito intensa. Ele era muito solícito tudo que pedia pra ele resolvia fora da ferrovia. A pessoa ia fazer uma construção própria dele em Campinas, ele ia lá ajudar e organizar, passar as ideias e em troca ele aprendia muito, então, ele aprendia cálculo, ele estudava os livros de cálculo, ele fazia cálculos de viga, ele fazia cálculos de pilar, ele fazia o equacionamento de águas pluviais numa região, ele sabia fazer porque a ferrovia tinha muito disso, por causa dos bueiros, então, tinha um conhecimento muito profundo.
 
Ele ia atrás de quem sabia, ele explorava aquilo e tinha uma cadernetinha que ele anotava tudo. Ele pegava tudo aquilo, depois ele passava a limpo, cálculo pra fazer vazão de água, isso é um exemplo que eu estou dando. Ele tinha conhecimento técnico, não era engenheiro formado.

 
Obras em trilhos 
 
  Pedro Abrucês teve um olhar observador e conhecimento para pegar trilhos e transforma-los em diversos formatos. Também realizou outros projetos de destaque, como a construção da réplica da caravela de Pedro Ávarez Cabral, no Centro Cultural Ulysses da Rocha Cavalcanti, para comemorar os 500 anos de Brasil, em 2000.


 
Primeiro eu acho que ser ferroviário e conviver com material ferroviário ele viu nos trilhos uma matéria-prima. As obras dele eram rebuscadas. Ele gostava de muita curva, tinha que ser difícil e tudo que ia fazer era mais complicado, mas com técnica: os ângulos, os raios, a concordância das curvas. Era difícil trabalhar com ele. Ele queria daquele jeito, ia na oficina desenhava no chão o tamanho real, com ângulo, grau e concordância de curva, que ele conhecia muito bem. Tinha que ser do jeito que ele queria. Era espetacular. Ele tinha essa parte artística forte. Tinha uma visão, pois criar o que criou ele precisa primeiro enxergar na cabeça dele para depois fazer. Você pega aquela entrada do Parque Santa Maria tinha que ser bonito e prático. Tinha que funcionar para segurar o peso, o telhado, então, fazia a coisa bonita com estrutural técnico. Ele conhecia as características técnicas do trilho. Ele falava assim o trilho pode ter o momento, é uma palavra da engenharia, que é uma carga que pode deformar até dois centímetros porque é um aço muito puro. Se passar disso ele entra em colapso, ele quebra. Ele é forte mas quebra. E ele sabia tudo isso. Você vê que uma estrutura de ferro normal ou a madeira com excesso de carga vai encurvando, o trilho tem até um ponto e depois já entra em colapso. Ele conhecia toda essa parte técnica. Ele sabia até onde o material aceitava.  Cada vez que ele estava num projeto era o projeto da vida dele.
 

 
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