Memórias de Jaguariúna

Capítulo 25 - As lembranças da Fazenda Capim Fino

por Gislaine Mathias/Estrela da Mogiana em 30/08/2023Professora Oscarlina Pires Turato com os filhos Mário e Ignês, e na frente Carlito, Zuza, Heitor e Thereza (Acervo Casa da Memória Padre Gomes)A Fazenda Capim Fino faz parte das lembranças de Thereza Turato Medéia, que tinha o costume de frequentar o local em momentos de lazer e nas férias escolares. Essa fazenda surgiu do desmembramento da Fazenda Camanducaia, atual Santa Francisca do Camanducaia, que pertencia a Cândido José Leite Bueno da Silveira, pai do fundador de Jaguariúna, Coronel Amâncio Bueno. Quando a herança foi dividida entre os filhos, a terra herdada por Maria Angela de Morais Bueno deu origem a fazenda Capim Fino.
  Com o decorrer do tempo, a fazenda teve outros proprietários até que os irmãos Moisés e Carlos Turato juntos com o sócio Hugo Masotti, que também eram donos do Armazém de Secos e Molhados na Estação de Jaguary, adquiriram a fazenda. Nessa mesma época, a família de Carlos morava no centro do Distrito de Paz de Jaguary e a filha Thereza recorda com saudades daquele tempo de criança, dos amigos, das festas e de quando se reuniam para conversar na sala.
 
    Era uma delícia nossa fazenda Capim Fino. Tinha gado, porco, tinha arroz, feijão, leite, galinha, verduras, pomar com frutas. Nós fizemos de tudo, andava a cavalo e subia em árvore num minuto. Uma vez meu pai comprou um porco tão grande, minha prima foi lá e falou que bezerro! A fazenda tem uma escadaria na frente dos dois lados, a gente ficava na escada e quando o gado passava para ir à noite na invernada, a gente mexia e eles vinham por cima da gente. E a gente subia a escada correndo.
   Fazia procissão. Às vezes faltava chuva, aquela seca, então, um avisava o outro colono vamos fazer uma procissão. Ia rezando geralmente o terço, rezava e cantava: Ave, Ave, Ave Maria... Olha, acabava a procissão acho que já chovia. Conseguia e a gente sempre fazia. Aí tinha uma árvore lá, precisava ver o tronco, perto da entrada da casa. Era linda a árvore, mas antiga. A gente sentava no tronco de tão grande que era. E minha mãe fazia quentão nessa época junina. Ai os colonos adoravam e iam lá tomar. Tinha um que passava lá: Dona Oscarlina, Dona Oscarlina tem aquele aperitivo? Ela falava está na geladeira agora é frião. Foi uma vida boa. A gente divertiu bastante no Capim Fino.
  A gente reunia na casa dos meus pais (rua Cândido Bueno esquina com Praça Umbelina Bueno) pra fazer teatrinho e circo, então, reunia a turminha e não tinha outra distração. Brincava de teatro, de casinha. De casinha brincava quase toda a semana com a Sarita (Sara Hossri Matheus), com a filha do Miled. Sabe aquelas trancas que fechava as portas antigamente? Era uma tábua grossa. A gente punha tijolo, punha a tábua por cima e punha pedrinha, terrinha, e falava que era arroz, feijão e batata, e vendia. Brincava o dia inteiro, era tão bom.
  Meu pai fazia cirquinho com a gente de noite também, mas só com os filhos. Olha, primeiro a gente sentava tudo em volta assim na sala, ele cantava os cantos de igreja. Rezava. Depois, ele fazia brincadeiras com a gente porque não tinha nada em Jaguariúna, então, distraía assim, contando histórias e inventava muita coisa. Era bem diferente, hoje em dia fica tudo no computador, no WhatsApp e antes brincava de tudo, de roda, brincava muito. Ai, época boa nossa.
  E além de lá tinha a fazenda do meu avô [José Pires Junior], Florianópolis, que era da minha mãe, então, a gente tinha fartura. Eu tenho muitas saudades do pomar do meu avô, da Florianópolis. A gente ia muito lá porque subia a pé. A gente não saía do pomar comia tudo quanto era fruta. E brincava de guerra de frutas. Na frente era mais alto. E depois descia assim o pomar ia um tanto depois tinha uma baixada. Os homens ficavam na baixada, os meninos e a gente ficava mais lá no alto. Pegava as frutas do chão, começou a guerra, tacava pra todo lado, era brincadeira, mas era divertido. A gente brincou bastante de tudo. Isso faz bem pra criança desenvolve memória, ideias, tudo, então, a gente teve uma infância saudável. 
  Nós, todos estudamos em Campinas até a faculdade. O meu irmão [Carlito – Carlos] casou com uma Chiarelli e foi pro [Mogi] Guaçu. Ele se formou advogado. O Heitor ficou aqui com a Aurélia [Therezinha de Andrade Turato], daí ele trabalhava no banco. A Ignes ficou professora aqui, depois foi pra Campinas. O Mário quando nasceu teve meningite ficou com sequela, aquela época era difícil. O José Carlos, Zuza se formou engenheiro agrônomo. (Thereza se formou Assistente Social).
 
Queda no poço
 
  Thereza teve uma experiência difícil quando era criança, pois passou por apuros ao cair no poço da sua casa, que ficava na esquina da rua Cândido Bueno com a Praça Umbelina Bueno.


  Tinha um poço lá. No lado de cima assim, tinha uma cerca e tinha o poço. E os pedreiros estavam arrumando lá e o poço ficou aberto. Acho que foi de manhã levantei ninguém viu, atravessei a cerca e fui do outro lado lá perto do poço. Daí eu fui olhar o que tinha lá embaixo e caí. Ficaram me procurando. Daí meu pai foi lá deixaram o poço aberto, o único lugar que ela pode ter escapado era por aqui porque procuraram no quintal todo. E agora quem vai lá embaixo, dezesseis metros, tinha água e pedra. Daí o seu Zé Firmino estava lá e ele falou eu desço, e precisava de uma corda. Daí seu Miled apareceu lá e falou eu vou ver no armazém, acho que eu tenho. Aí trouxe uma corda grossa, seu Firmino desceu até lá embaixo e me pegou. Eu cheia de sangue, fiquei com uma cicatriz feia e eu só vomitava água. Eu bati a cabeça. E daí o meu tio Mansur, era o farmacêutico, pai da Maria do Maurício [Hossri], ele costurou com uma agulha porque naquela época não tinha médico e ferramentas certas. Fiquei em observação. Eles achavam que eu tinha morrido. Por um milagre eu estou aqui.
 
Armazém na estação
 
  Carlos Turato foi sócio de um Armazém de Secos e Molhados, com o irmão Moisés e o tio Hugo Masotti, que ficava na estação de Jaguary. Ele também chegou ser proprietário da Cerâmica Santa Maria, que fabricava tijelinhas, bibelôs, pires e xícaras.
 
   O Armazém de Secos e Molhados tinha arroz, tinha feijão, tinha café, tinha de tudo. A gente ajudava a escolher feijão e o arroz para vender. Os trens chegavam e alguns deixavam documentos e cartas lá com o meu pai porque eles tinham confiança no meu pai pra entregar. Até tinha uma de Campinas que ela fazia questão que meu pai pegasse as cartas que chegavam pra ela.
 Ela morava numa fazenda, o pai dela tinha fazenda de café, tudo daquela época, eles estavam muito bem de vida e o noivo escrevia pra ela e ela fazia questão que meu pai pegasse porque não abria nada e entregava direitinho. Então, muitos faziam questão que entregassem a documentação na mão dele. Da minha casa a gente descia lá na estação pra ver o trem chegar. Sabe onde é o estacionamento de carro do Moacir Mantovani, no centro, então, ali era o nosso casarão.
 
 Uma professora e um vice-prefeito
 
  Oscarlina Pires Turato se formou na Escola Normal de Casa Branca e foi a primeira professora formada da comunidade jaguariunense. Se dedicava a alfabetização das crianças e iniciou o magistério, no ano de 1924, na Escola Mista da Fazenda Cafezal. Também trabalhou nas Escolas Reunidas de Jaguary. Depois assumiu o cargo de professora e chegou a ser diretora, no grupo escolar Coronel Amâncio Bueno.
  Já Carlos Turato, casado com Oscarlina, estudou no Colégio Liceu Nossa Auxiliadora, em Campinas e se formou em Contabilidade. Além do comércio, Carlos teve participação ativa no movimento de emancipação político-administrativa de Jaguariúna, foi subprefeito e o primeiro vice-prefeito da cidade. 
 
  A casa da minha mãe vivia cheia de professoras. Era todo dia, as professoras chegavam iam lá, que nem bater ponto. Era tudo na casa da minha mãe. Tudo que eles precisavam era na casa da minha mãe e ela acudia todo mundo. Ela era muito boa. Meu pai era mais severo. Minha mãe, foi assim, eles nasceram tudo no Florianópolis. A fazenda aqui depois do Amâncio, foi do meu avô. Eles eram muito religiosos, então nós, primeiro por tradição, mas depois por convicção, porque nós estudamos em colégio de freira e a gente viu que era a religião católica, era verdadeira pra nós. Então, por convicção nós seguimos. A minha mãe ficou zeladora da igreja e fazia ata das reuniões, também era professora, tinha estudado em Casa Branca. Foi professora aqui a primeira que morou aqui em Jaguariúna. Ela era muito boa. Era de igreja, era solidária e caridosa.
  O meu pai ele era muito instruído, inteligente e uma caligrafia perfeita. Ele estudou no Liceu e até podia ser professor se ele quisesse de religião e português. Ele formou contador, mas como ele era bom aluno e era perfeita a caligrafia, naquela época, ele podia ser até professor, mas ele não seguiu porque ele tinha que tomar conta da Capim Fino, do Armazém e de uma fábrica de algodão, em Amparo, que pegou fogo. Era ele que fazia as contas e pagava os funcionários [da fazenda e do armazém].
  Além disso aqui em Jaguariúna ele batalhou pra emancipação. Olha, eu me lembro ele ia pra Mogi Mirim tudo com o dinheiro dele, quase toda semana. Aí, escrevia carta lá pra Mogi pra emancipação eu me lembro disso perfeitamente. Ele lutou bastante para a emancipação e fazia a contabilidade de todas as propriedades, mas ele era severo com os filhos. Não se rouba uma agulha de ninguém, não faz isso. Primeiro o dever e depois é o prazer.
 
 
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